As polícias do Rio de Janeiro iniciaram nesta segunda-feira (19/05) uma verdadeira ocupação militar na Cidade de Deus (CDD). Com aval do governador Cláudio Castro (PL), esta foi a terceira operação policial motivada por vingança contra as massas populares moradoras de favelas do Rio de Janeiro desde o fim da ADPF das Favelas em abril.
“Eles triplicam o uso da força nessas operações de vingança”, diz ao AND a professora Monique Carvalho, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que pesquisa violência policial. “Não há nenhuma inteligência. A busca por encontrar supostos criminosos vira um teatro, só que um teatro que gera mortes”, comenta ela.
A operação é classificada como de vingança porque começou depois que um agente da Polícia Civil morrer na comunidade durante uma investigação de um caso de venda de gelo contaminado para a praia da Barra, Zona Oeste do Rio de Janeiro. O Secretário da Polícia Civil do Rio, Felipe Curi, descreveu o caso como um “atentado terrorista contra o Estado” e ameaçou os moradores com uma ocupação militar dizendo que os policiais não vão sair até encontrar os responsáveis.
Os moradores da favela se revoltaram com a ocupação militar e, com receio de que a polícia entrasse para matar, incendiaram barricadas nas vias de o à comunidade. A ação de protesto tem base para ocorrer: em agosto de 2024, uma invasão da polícia na comunidade terminou com ao menos nove moradores baleados.
A operação ocorreu no meio da manhã, quando as crianças já se encontravam na escola. Para tentar se esconder dos disparos, os profissionais da Educação foram obrigados a correr com seus alunos para o corredor para afastá-los das janelas. Todas as aulas do turno da tarde foram canceladas. Os alunos sofrem vários riscos durante as operações policiais: no mesmo dia que a Polícia Civil invadiu a CDD, a Creche Municipal Direitos Humanos, em Santa Teresa, foi alvejada por tiros durante uma incursão policial.
O Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ) denunciou a política sistemática de violência contra os moradores de favelas em suas redes sociais: “o sindicato também manifesta o seu repúdio a essas operações das forças de segurança do município do Rio de Janeiro, inda mais por serem próximas a escolas em horários de entrada das crianças.”
Para a professora da Uerj, as operações policiais aumentaram depois do fim da ADPF das Favelas. “Depois do julgamento, o Estado liberou a ocorrência das operações policiais. As polícias estão argumentando que as operações se relacionam com investigações. Então eles estão fazendo operações muito menos de combate ao tráfico de drogas no varejo e mais de questões financeiras, como foi na Cidade de Deus”.
Ela diz que, apesar da repercussão dessa operação por conta da morte do policial, as invasões às favelas têm sido recorrentes. “Desde a semana ada já vem ocorrendo outras operações policiais em outras favelas, da Zona Norte especialmente, que têm gerado mortes, mas não de policiais.”
A ameaça de ocupação da CDD ocorreu onze dias depois que o governador Cláudio Castro (PL) anunciou um plano de voltar a ocupar as favelas do Rio de Janeiro. Monique Carvalho diz que não é possível saber se a ação na CDD é já uma materialização do plano, mas “porque temos que esperar os acontecimentos, mas o desenho, levando em consideração a atuação do governo, desde o governo anterior [Wilson Witzel] e da gestão dele [Cláudio Castro] não é surpreendente nesse sentido.”
O quadro geral é preocupante para os moradores de favela, principalmente jovens negros, 90% das vítimas de violência policial em 2023. “O cenário infelizmente é esse”, diz Carvalho. “Nas operações policiais, a linha de frente é a truculência”.