AND Entrevista RobSom MC e Judá MC, autores de Plano A e Poetas no Topo da Borborema 336e6k

“Eu acredito que o rap não tem que só visar a mudança individual, mas uma mudança coletiva, um rompimento com a velha estrutura", defenderam artistas.

AND Entrevista RobSom MC e Judá MC, autores de Plano A e Poetas no Topo da Borborema 336e6k

“Eu acredito que o rap não tem que só visar a mudança individual, mas uma mudança coletiva, um rompimento com a velha estrutura", defenderam artistas.

De Campina Grande, RobSom MC e Judá MC — nome artístico para Robson e Wagner — são os responsáveis pelos álbuns O Plano A e Poetas no Topo da Borborema, que exaltam as massas, mostram as dificuldades e a luta do povo paraibano, abordando temas como a brutal violência policial, a colonização e outras questões que são intrínsecas ao cotidiano de um jovem paraibano. h6e5n

Seus álbuns contam com a participação de diversos artistas da Paraíba, como HN, Chuck MC, Cidiely, Lc MC, Klmo, Taigo LP e Head Li; demonstrando um forte interesse em ver o crescimento do rap campinense como um todo — não apenas o crescimento individual.

Nessa entrevista, os dois demonstram as principais contradições no Hip Hop campinense, evidenciando também o caminho de sua superação.

Segue abaixo a transcrição da entrevista realizada pelo Comitê de Apoio ao jornal A Nova Democracia de Campina Grande-PB:

AND: Quais as suas inspirações e como elas se relacionam à sua arte?

RobSom: Minhas inspirações? Primeiramente, a vida, sabe? A experiência vivida, o que a gente a no cotidiano. Muita gente fala: “Ah, eu estava inspirado para escrever uma música.” Mas, pra mim, não existe essa inspiração como algo divino. Pra mim, é o cotidiano, as coisas que acontecem diariamente.

Falando de inspiração em pessoas, artistas, referências… Eu tento escutar coisas além do rap. Mas, assim, um artista que marcou várias fases da minha vida foi o Bob Marley. Tanto pela musicalidade quanto pela mensagem.

É algo que sempre se reinventa, ao longo da história e também dentro da minha própria trajetória artística.

Judá: Bom, a minha principal inspiração, aquela que realmente me despertou a vontade de escrever, foi o meu pai. Ele também era poeta.

Inclusive, aqui na UFCG, ele teve dois livros de poesia publicados. Ele foi a minha primeira experiência com a poesia, foi quem me fez querer escrever.

A partir dele, tive algumas experiências com a poesia da MPB, algumas músicas, como as do Legião Urbana, que me fizeram ter um teor mais poético, mais metafórico, algo menos direto na escrita.

Depois disso, conheci o Racionais. Minha primeira experiência com rap foi com o Racionais. Mas o que realmente me fez escrever rap foi o Facção Central. O jeito que o Eduardo Taddeo escreve, os termos científicos que ele usa, a forma como consegue ser explícito e, ao mesmo tempo, trazer conteúdo que acrescenta no cotidiano do periférico… Por exemplo, certas palavras que quem não teve o à educação formal talvez nunca ouvisse — mas, ao escutar nas músicas dele, sente vontade de aprender, entende?

Então, acho que minhas inspirações foram múltiplas. E, assim como o RobSom, não só bebo do rap.

AND: Qual a necessidade de interligar o Rap à história e à rítmica paraibana?

RobSom: Eu acredito que o artista é um reflexo da sua realidade. Não dá pra eu cantar igual aos Beatles, por exemplo. Os Beatles são de Londres, correto? Também não dá pra cantar igual a um rapper dos Estados Unidos.

Eu vou cantar como eu sou. Um cara paraibano, que teve toda a vivência de um paraibano. Não vou fingir ser algo que não sou quando canto somente para me encaixar. Por isso, acredito que a herança cultural da Paraíba enriqueceu muito a minha trajetória e também tornou o meu trabalho único. Porque eu podia muito bem imitar, mas preferi ser único e trazer referências daqui. Tanto referências musicais quanto nas letras — falar sobre coisas que fazem parte do nosso cotidiano, da vida de quem é paraibano.

Judá: Levando em consideração o que o RobSom falou, a gente às vezes tem o costume de perguntar nas escolas se a galera consome o rap produzido aqui.

E não é nem pela questão regional em si, mas porque muita gente se identifica mais com o que vem de fora, mesmo a gente tendo as mesmas vivências por aqui — as mesmas referências de bairro, de gosto regional, de sotaque, de fala. Isso torna mais fácil para a galera abraçar o nosso trabalho e se identificar.

E eu acredito que, nós, enquanto artistas, tendo como referência outros artistas daqui, também estamos tentando impulsionar essa cena, entende? É de total importância. Principalmente no rap, que, como eu costumo dizer, sofre preconceito não só de fora, mas também da própria galera daqui, pelo simples fato de ser rap feito na Paraíba.

E eu também não julgo. A gente vive numa região conhecida como a “Cidade do Forró”, tem o maior São João do mundo… Mas, ao mesmo tempo, dá pra interligar, trazer referências, usar samples de sanfonas paraibanas, sanfonas do Luiz Gonzaga… Ou seja, representar não só a Paraíba, mas o Nordeste como um todo.

AND: Qual a importância de desenvolver uma nova cultura, que sirva ao nosso povo?

RobSom: A cultura é uma das coisas que movimentam a sociedade. Não existe sociedade sem cultura. E acho que essa pergunta também se relaciona com o nome do jornal, A Nova Democracia.

E realmente, o momento histórico que a gente vive não é igual a nenhum anterior — e também não vai ser igual ao futuro. Por isso, é preciso falar sobre o agora, sobre o que está acontecendo hoje, trazendo referências históricas e visando uma transformação em um futuro melhor.

A cultura não é um universo à parte, que não deve acompanhar essas mudanças. Pelo contrário: muitas vezes, é ela que impulsiona essas mudanças. Por isso, acredito que é importante que os artistas estejam ligados ao que está acontecendo agora, ao que já aconteceu e ao que ainda pode acontecer.

Judá: Eu já tive muito esse pensamento saudosista sobre a cultura — essa falsa ideia de que tudo o que era bom ficou no ado.

Mas é muito importante estar se movimentando. A cultura está em movimento o tempo todo, tudo está. Então, é de total importância considerar o ado, mas também olhar para o presente e, principalmente, para o futuro.

AND: Qual a necessidade de derrubar a cultura “popular” vinda de cima para baixo, imposta pelos monopólios de imprensa?

RobSom: É engraçado, porque, querendo ou não, a internet ajudou — ajudou a democratizar o o. Hoje em dia, não dependemos mais só da televisão ou do rádio. Mas, ainda assim, não é suficiente, tá ligado? Porque, querendo ou não, às vezes crianças, adolescentes e até jovens adultos são influenciáveis. Não têm uma escolha própria, não pensam por si mesmos, entende?

Muitas vezes, a música entra nesse lugar. Ele até pensa por si na hora de tomar decisões na vida, mas não pensa quando vai escutar uma música ou consumir uma certa cultura. Aí acaba ouvindo o que é entregue a ele, não pensando sobre o que está escutando ou fazendo.

Mas eu acho que o rap é crítico. Ele tem esse poder de alcançar as pessoas, de buscar essas pessoas. Às vezes, a pessoa escuta sem querer — mas depois daquilo, é influenciada, vai atrás. Porque o rap não está separado da realidade. Ele influencia a realidade. Ele dá energia, dá voz para que a pessoa consiga mudar.

Judá: De fato, a internet e as redes sociais democratizaram muito o o à informação. Antes, essa experiência vinha através das mídias tradicionais. A música também sempre teve um papel forte nisso, mas eu acredito que a gente precisa buscar o conhecimento por conta própria — e, ao mesmo tempo, ar através da música pois, às vezes, a música é a primeira experiência de uma pessoa com esse conhecimento.

Você vê que, na periferia, muita gente teve o primeiro contato com esse tipo de informação através do rap — ouvindo um Racionais, ouvindo um Facção Central. E isso ajudou muito na politização.

Então, acredito que a gente precisa de mais autonomia nesse sentido também.

AND: Qual a importância de um rap classista e combativo, que narre e exponha as dificuldades e luta do povo paraibano?

RobSom: O rap tem que estar ligado à base, tá ligado? Porque, querendo ou não, o rap surge da base. O rap é como se fosse a válvula de escape do povo, e, se o rap ficar desvinculado do povo, eu acho que perde a essência.

Mesmo que fale sobre crescimento financeiro, desenvolvimento pessoal, tem que ser sobre a prioridade (o coletivo). Porque, querendo ou não, o dinheiro não é só dinheiro no rap, o dinheiro é uma conquista, é uma caminhada, uma trajetória. Queira ou não queira, representa uma vitória, alguém que venceu através da música ou do estudo, se formou, compreende?

Por isso que eu acredito que o rap não tem que só visar a mudança individual, mas uma mudança coletiva, um rompimento com a velha estrutura. Por isso eu acredito que o rap tem que tratar dos assuntos da base, do trabalhador e por aí vai, entendeu?

Judá: Hoje em dia tem muita música que enaltece o dinheiro, mas não dá o a ele, não dá um guia de como alcançá-lo.

Às vezes o primeiro o a isso, como a gente é sempre induzido, é que a gente tem que entrar numa universidade, que é importante você ter esse conhecimento, e às vezes falta esse incentivo por meio dos artistas.

O meu principal exemplo é Eduardo Taddeo, que foi um cara que se formou em Direito pra mostrar que a periferia também pode e deve ocupar esse espaço.

Então, acho que isso é mais além do que você só ficar fazendo música dizendo que vai comprar a Nike inteira, porque, querendo ou não, você vai estar terminando enriquecendo mais um burguês.

Então, acho que é importante a gente mostrar aqui o o também através do conhecimento, porque o conhecimento não fica só no conhecimento, ele pode abrir as portas pra outras coisas, assim como o dinheiro.

AND: Como vocês enxergam a tentativa de tirar o conteúdo político do rap, tentando torná-lo mais palatável às classes dominantes, o tornando infértil?

RobSom: Com certeza. Eles jogam sujo, tá entendendo? Eles querem pegar um ponto fraco e bater naquilo, como se aquilo fosse normal, sendo que não é.

A pessoa tem que ter pensamento crítico para dizer: será que o rap que eu tô escutando, esse rap específico, é uma verdade absoluta? Será que só porque está em toda mídia, não é só uma propaganda da burguesia? Ou será que é realmente a essência que eu tô buscando? Algo que vai acrescentar na minha vida e não me alienar.

Então, querendo ou não, a burguesia… não é teoria da conspiração, não. Acho que eles jogam sujo, tá entendendo? Querem nos alienar a qualquer custo.

Judá: E não é à toa que é esse rap que tá furando a bolha. Porque, é isso que a burguesia quer. Mas isso é uma forma de influenciar mesmo.

Você vê a demora que teve para o Racionais ter influência, digamos assim. Mesmo quando eram conhecidos, ainda eram vistos como músicas de marginais.

E isso foi uma luta, porque, usando Eduardo Taddeo de novo. Teve uma música dele que foi censurada, Isso aqui é uma guerra.

Ele falou que, enquanto estava na periferia, enquanto o público dele escutava, não tinha censura. Foi quando chegou na burguesia que foi censurado. Aí eu pergunto: por que essas músicas hoje em dia não são censuradas? Porque é isso que querem que você escute.

É igual o MV Bill no Faustão, fazendo uma música de protesto e o Faustão falando por cima: “Isso aí é improviso,” só pra tentar atrapalhar. Mas é isso, eu acredito assim.

Um amigo meu cantou numa música que eu acho engraçada e massa: “quanto mais vem a censura, mais o trampo é divertido.” Acho que fica mais divertido fazer algo sabendo que vai ter gente que vai se doer ao ponto de querer calar a sua arte.

Mas você sabe que tá fazendo um trabalho sincero. Então, acredito que, antes de tudo, tem que ser sincero. E a consequência que venha.

AND: Vocês enxergam uma tentativa de tomar o rap do povo, assim como aconteceu com o sertanejo?

Judá: Eu acho que estão fazendo isso. Eu creio que o rap pode abraçar — e tem que abraçar. Mas tem muito cara que não tem nada a ver com o rap, com o movimento hip-hop, que está entrando nesse meio, às vezes por status, e às vezes para fingir que se importa. Eu não tenho essa de “ah, você não pode fazer rap”. Para mim, não. O rap deve abraçar todo mundo.

O hip-hop, em si, deve abraçar todo mundo, independente. Mas tem gente que está sugando, principalmente pessoas certas que se juntam ao movimento hip-hop, que não estão lá para o movimento. Se fazem alguma coisa voltada para movimentos sociais, é mais para mostrar “eu fiz, eu, fulano de tal, fiz”. Não estão fazendo pelo movimento, entende?

RobSom: Acho que sim, está acontecendo. Ou melhor, estão tentando fazer isso acontecer. Mas eu não perco a esperança de que o rap de verdade vai continuar sendo feito.

AND: Como vocês enxergam as batalhas de rima?

RobSom: O interessante da batalha é que também é entretenimento. É uma coisa que quando a pessoa está cansada, a o dia trabalhando ou estudando, vai para uma batalha e acaba se divertindo e aprendendo.

O MC não fala aleatoriamente. Quando ele rima, acaba sendo resumo de suas leituras, estudos, pesquisas e vivências. Então, quando ele está ali pra se expressar, vira algo que dá uma liberdade ao MC, uma pessoa que pode ter sido calada há muito tempo, por exemplo.

Ele troca ideia com a plateia, porque a plateia participa diretamente do movimento. Se não tiver plateia, não tem batalha. A plateia grita, bate palma, vaia, enfim.

Aquilo ali é um ambiente de troca cultural e pessoal, um crescimento pessoal. E também é um movimento que serve pra divertir, além de trazer conhecimento.

Judá: Eu acho muito interessante a forma como as batalhas de rima aqui tem a capacidade de abraçar — e às vezes abraçam mais, tá ligado? E eu falo isso não só por meio da batalha.

Muitos movimentos fingem abraçar a periferia, mas não abraçam, entende? Principalmente movimentos estudantis (oportunistas). E eu acho muito importante isso que a batalha faz, porque às vezes um cara tá desiludido da vida, sem nenhum propósito. Aí encontra no meio artístico, que é a batalha de rima, uma chance de se expressar, de jogar pra fora o que está sentindo — e também como forma de entretenimento, de se divertir. Eu acho que a batalha é de total importância.

E acho também que tá sendo muito deturpada, porque tem muita galera que não entende exatamente o que é o movimento hip-hop, e acha que o hip-hop se resume só à batalha, tá ligado? Mas, independentemente disso, eu acho que aqui em Campina Grande — e não só aqui — é o movimento mais especial que nós temos o, principalmente pelo fato de ser democrático.

RobSom: E é um exercício muito bom, porque, pensando assim, é um exercício de respeito e humildade. Eu sou um MC que às vezes pensa: “caramba, como é que eu perdi isso?” — mas, bem ou mal, você tá “brigando” com um MC ali na sua frente, o MC está te respondendo, mas você sempre tenta usar a criatividade para se sobressair.

E, querendo ou não, é um jeito de você não ser violento, de não agredir fisicamente. Você tem o controle das palavras, das rimas, das frases. Você não vai sair brigando porque o outro MC te ofendeu — você vai responder na rima. Ou seja, é uma forma de usar a arte para diminuir a violência. Eu acho que desde o começo era assim.

Judá: É, surgiu assim. E isso é o que deixa mais interessante. Quando acaba a batalha, os MCs se cumprimentam, se abraçam. E tem muita gente que acha que eles estão brigados. O pessoal de fora acha que, quando o MC tá rimando com o outro, é briga de verdade. Claro que pode ser, mas nem sempre.

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AND: Nos últimos anos, as batalhas furaram muito a bolha e deixaram o rap de lado, virando apenas entretenimento. Como vocês enxergam isso?

Judá: Voltando naquele assunto que a gente tá falando, sobre o quanto que fura bolha, pelo motivo errado. A batalha é importante. E eu acho legal que tenham batalhas de níveis nacionais.

Mas tem batalhas que você vê a plateia, você vê o público pelos comentários da live. Normalmente, é um pessoal que não entende o que é rap. Às vezes, quando falam de inclusão em uma batalha, eles comentam “ixi, começou o mimimi”. Sendo que rap é isso, é militância. Mas uma militância é certa. Não estou falando de uma militância superficial. Então, eu creio que esse crescimento ajudou e, ao mesmo tempo, deixou gourmet

RobSom: Como você falou, eles são muito chorões. O público de internet é muito alienado. Quando eles veem um protesto, alguém dando a cara à tapa em uma batalha, falando para uma multidão, falando o que acredita, falando de violência policial, falando de racismo, falando de machismo, falando de coisas que o MC ou em sua vida; eles, os alienados, comentam que: “não, isso aí é choro”. Sendo que eles estão chorando, se incomodando com a luta do MC. Enquanto o cara está na luta, você está fazendo um comentário.
Fazer um comentário na internet é muito fácil. Ver uma batalha no YouTube é muito fácil. Ir para uma batalha na rua é difícil. Estar ali exercitando sua arte é mais difícil ainda, e é uma coisa que muda a sociedade.

Um comentário, dependendo da quantidade, pode afetar algo, mas ainda não chega nem a metade do esforço que é estar ali improvisando, mostrando sua arte, cantando. Então, querendo ou não, eu ainda tenho esperança que mesmo que tenha aumentado o público da internet, mesmo que a maioria seja um público que não se importe com a cultura, sigo acreditando que desses, ainda saia pessoas conscientes, pessoas que tenham coragem de ir para as batalhas na rua, de assistir e aprender.

É nisso que surge o respeito, o aprendizado, o conhecimento. Querendo ou não, do negativo, conseguimos extrair algo positivo.

Judá: E você vê também que essa galera de internet não tem a capacidade, o interesse de participar do movimento cultural, não entende o que é estar em uma batalha de rima de rua. Tem muita gente que quando falam que aqui tem batalha de rima, dizem que acompanham, sendo que, às vezes é uma galera nada a ver, que eu fico pensando “ele acompanha batalha de rima?”. Aí esse mesmo pessoal sempre inventa alguma desculpa pra não ir, mas continua acompanhando os caras de fora do estado.

Infelizmente, a popularidade tem suas consequências negativas, mas é bom que se popularize, porque querendo ou não, pode tirar o preconceito que o público tem com a batalha de rima, mas também temos exemplos de batalha que fazem com que esse público não entenda o que é de fato movimento.

AND: O número de MCs e a união destes está em crescimento?

RobSom: Eu tenho medo dessa “união”.

Querendo ou não, quando viajamos para cidades menores aqui da Paraíba que têm rap, a cena lá é muito mais unida do que aqui. E, quando vamos para uma cidade maior, a cena é mais desunida do que aqui. Por conta disso eu fico pensando: será que, quanto mais tiver ego e dinheiro em jogo, mais desunida a cena vai ficar? Não sei. Vamos ver como isso vai se desenrolar.

Mas tem o lado bom, que é a visibilidade.

A gente tá com o movimento crescendo, tanto aqui quanto fora. O rap, o movimento de rua aqui na cidade, está crescendo cada vez mais. Mais pessoas estão conhecendo, participando, mais MCs estão surgindo, mais poetas aparecendo. Tem esse lado positivo, e também o lado negativo, como a gente falou na pergunta anterior.

Mas também, fora da Paraíba, estão ouvindo nossas músicas. Estão fazendo matérias sobre o nosso trabalho. Querendo ou não, é um processo lento, demorado, mas que tá fluindo, está dando certo. Inclusive, vocês aqui conversando com a gente, um jornal que é totalmente revolucionário — isso é muito positivo pra nós individualmente e pro movimento como um todo.

Judá: É como ele falou. Nas cidades do interior, os MCs são mais unidos. Já nas cidades maiores, tem mais ego envolvido.

E eu acho que é aquilo: quando você elogia demais o trabalho de um cara e ele deixa isso subir pra cabeça. E eu acredito que, a partir do momento em que você tá no movimento hip-hop e deixa o ego falar mais alto que o amor pela cultura, isso acaba sendo prejudicial pra todo mundo.

É importante você ter postura, ter confiança no que faz, saber que o que você faz é bom, não é à toa que estão falando sobre a gente, fazendo entrevistas, matérias sobre o rap daqui, conhecendo o que a gente faz.

Mas, ao mesmo tempo, nós que fazemos parte de um movimento. Precisamos estar em contato com o público. Precisamos ser íveis.

Tem muita gente que deixa de ser ível só porque recebeu um ou outro elogio, aí por conta disso começa a se achar demais. Acha que ninguém mais deve falar com ele porque ele é “o melhor da cena”.

Então, acho que muita gente deixa o ego falar mais alto do que deveria.

AND: Quais as vitórias que o Rap paraibano vem alcançando? Como está sendo o engajamento da juventude paraibana?

Judá: Eu estou muito entusiasmado com a cena paraibana. Principalmente esses últimos anos, como o ano ado, 2024.

Com o som de RobSom, Amor e Ego, que teve um alcance nacional. Também pelo fato do Poetas no Topo da Borborema, também ter surtido efeito na cena local. Na verdade, não só na cena local. Tiveram pessoas de fora que falaram sobre. Mas o próprio público campinense abraçar o movimento, abraçar essa ideia e querer consumir isso. Porque a ideia do álbum era justamente essa: de consumir os artistas daqui. Muitas pessoas chegando. Às vezes, pessoas que nos têm como referência. Isso é ótimo.

Quanto mais pessoas para somar, fazer acontecer, impulsionar o movimento, em prol da mesma causa, do mesmo pensamento de engrandecer a cultura, melhor. Para que a gente consiga ter uma cena autossuficiente, caso precise ir pra fora, por exemplo.

RobSom: E o Judá falou sobre esse som, o Amor e Ego.

Eu achei muito massa. Ele realmente estourou. Saiu do meu controle. Não foi responsabilidade minha.

Eu fiz minha parte e o Brasil devolveu, entende? Mas eu fiquei muito feliz. Porque esse som fala de racismo, fala de “Quero o fim da Espanha, Portugal e França, eles roubaram a nossa herança”. Imagina, um som paraibano estourando falando sobre isso. Furando a bolha sem falar de drip, bitch e ice. Não foi falando futilidades desse tipo. Ou seja, o fato desse som ter repercutido me deu uma nova perspectiva, perspectiva de que eu posso ser real no que eu faço, de que eu posso protestar no que eu faço. E as pessoas vão olhar e vão dizer: “caramba… Eu também posso fazer um rap assim. Eu não preciso seguir o modelo da indústria”. Porque querendo ou não é um número “pequeno” caso comparado com o todo. No rap brasileiro é um número pequeno.

Mas pra nós é um número enorme. Vai além do número. É uma relevância muito grande, muito boa mesmo. Então eu acho que o rap tá vencendo. E o rap de verdade, que a gente considera o real rap, está vencendo mais ainda.

Judá: E isso não só deu visibilidade pra ele, mas para a cena como um todo. Teve muita gente que ou a me conhecer através dele. Esses projetos, o fato de a gente tentar fazer projetos entre a gente, não somente entre quem faz rap, mas entre pessoas do meio artístico paraibano, como um todo. Inclusive em nossa última batalha, tinha um rapaz entrevistando as pessoas na batalha de forma humorística. Ele tá fazendo outro tipo de conteúdo lá na batalha. Mas tipo, é uma forma de estar se conectando. Fazendo um conteúdo humorístico, ele também é um artista. E, pelo fato de ele ser de Campina Grande, assim como a gente, todo mundo acaba fazendo aquilo junto. Tentando se conectar. E isso aumenta as chances de a gente crescer, sabe? Eu acredito muito nisso.

AND: Quais as barreiras mais visíveis impostas ao rap paraibano? Como vocês as estão destruindo?

RobSom: Na minha opinião, a maior dificuldade é a falta de público. Porque o público é o poder. Em qualquer trabalho, o público ou o cliente segue sendo o poder. Porque, por exemplo, um mecânico só vive daquilo se tiver quem vá lá consertar o carro.

Um comerciante precisa de compradores. Um trabalhador de uma fábrica, um operário, só trabalha se tiver demanda. É assim que funciona o nosso sistema.

E eu acho que isso serve tanto para o artista como para o político. O político precisa de voto, precisa de apoio. O artista também está dentro disso, ainda está nesse jogo. Eu acredito que você pode tocar poucas pessoas, mas tocando intensamente, elas vão ser fiéis a você pra sempre. Mas a quantidade também pode influenciar.

E por aqui ser um estado em que a nossa capital não tem tantas pessoas comparado às outras capitais do Nordeste; se a gente for comparar, por exemplo, as grandes capitais do Brasil, lá um público bem maior que consome rap. A gente está aqui no interior da Paraíba. É a segunda maior cidade do estado. Mas, ainda assim, a grande maioria das pessoas consome outros tipos de música — consome, sertanejo, forró e etc. Forró, principalmente.

O  que não é algo ruim necessariamente, entende? Mas a gente também precisa criar o nosso público, criar o nosso movimento. E eu acho que é um processo muito longo.
Essa, na minha opinião, é a barreira mais difícil de ultraar.

Judá: Também creio que seja a falta de público a principal barreira. E isso também induz a gente, a todo momento, a ficar pensando que não vai dar certo, porque, como eu falei, tem tanto a dificuldade de você ser apoiado pelo pessoal daqui da Paraíba, quanto da dificuldade de o pessoal de fora valorizar a gente daqui do interior da Paraíba fazendo rap e dar valor ao nosso trabalho. E eu acredito que a gente tem que começar pelos nossos. Se for pra ter um público, é necessário, é essencial, a gente ser abraçado primeiramente pela galera da nossa cidade, para depois ser abraçado pela galera da Paraíba, depois pela galera do Nordeste, E assim vai.

Por isso que eu não acredito muito em público de vídeo curto. Porque, por exemplo, já teve situações minhas em que um vídeo meu dava muita curtida, eu ganhava muito seguidor… Eu falava: “caramba, ganhei uma galera pra ver meus projetos. Agora deu.” Mas não é a mesma galera. Não é um público estável. Não é uma galera que fica. É um público que, ando um feed, já esquece teu rosto. Então, a gente tendo esse o de estar em uma batalha, de tentar conquistar o público daqui, um pessoal que conhece a gente pessoalmente, e a todo momento tá mostrando que a gente tá lançando um som, que a gente tá fazendo a parada… A galera, não só pela insistência, consome a gente, mas começa a gostar daquilo e a a consumir a gente — e, posteriormente, apresentar para outras pessoas. Então, eu creio que esse o seja mais fácil, esse o orgânico. Embora, como ele falou, sejam poucas pessoas aqui que consomem rap.

Se você for comparar com outras cidades, tá ligado?

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AND: RobSom entrou na faculdade de História e o Judá, na de Letras. Como é que a vivência na faculdade e o conteúdo das aulas têm influenciado na arte de vocês? E o que é que vocês esperam que o ensino superior traga para a sua arte?

Judá: O curso de Letras-Português me ajudou muito a ter referências poéticas. Tinha muita coisa que eu já tinha algum conhecimento, mas não de forma aprofundada. Acho que o meio acadêmico me ajudou nisso.

Em aprofundar certos conhecimentos. E, através dessas experiências, conseguir usar isso como referência pra tentar fazer algo novo. Inclusive, meus novos projetos estão vindo com coisas novas, muito por influência do que eu aprendi no curso de Letras. Acredito muito que o meio acadêmico tem essa função de nos ajudar nessas questões. Mas, ao mesmo tempo, acaba se tornando meio inível. Parece que a gente, como artista, não é o suficiente. Não sei, acho estranho. Parece que a gente precisa, a todo momento, ter algo a mais dentro do meio acadêmico.

Eu uso mesmo como uma ferramenta. Se com a música não der certo, eu vou ter essa ferramenta pra tentar entrar no mercado de trabalho. Mas, ao mesmo tempo, quero usar isso pra minha arte.

Só que, acho que tem muitos professores que, pra algo simples, como uma experiência vivida, você tem que citar alguma referência bibliográfica só pra mostrar que conhece o assunto. Sendo que uma experiência já seria suficiente em certos contextos.

RobSom: Acho que a universidade te dá um direcionamento muito bom, muito bom mesmo, no que diz respeito à leitura. O que ler, quem ler, onde buscar… Eu acho esse direcionamento perfeito. Inclusive, muitas músicas minhas, muitas divulgações dos meus sons, eu falo sobre referências históricas que, graças à universidade, hoje eu consigo identificar se são realmente confiáveis.

Porque tem muita coisa que é inível. E aí entra a pergunta: por que as coisas são iníveis? Porque a universidade, infelizmente, é quase um universo paralelo. Estar dentro dela não significa, necessariamente, estar conectado com o mundo lá fora. Você tem que correr atrás disso.

Então, eu acho que esse é o maior problema da universidade: não se conectar. Tanto que, nos vídeos que eu faço, eu tento pegar o que aprendo aqui e transformar num conteúdo simples, pra ver se chega na galera, pra ver se desperta algum interesse. E durante a escola, tive professores que realmente conversavam com você, que olhavam para sua realidade e tentavam mostrar que aquilo ali não precisava ser complexo.

Dom Pedro I, a história do Brasil, não precisa ser difícil. Isso é algo cotidiano, é algo que você vive diariamente. Então, eu acho que a universidade tem esses acertos e esses erros. Mas, de qualquer forma, me ajudou demais nessa trajetória artística, no entendimento e no conhecimento também.

Judá: E agora, já usando como base a resposta de RobSom, vejo o costume, por parte de certas pessoas da universidade, de querer usar muitos termos técnicos para falar de algo simples. E sinto que falta essa urgência de querer se comunicar. Por exemplo, se fala muito sobre causas sociais, mas ao mesmo tempo você não vê a própria galera da universidade querendo se conectar de verdade com aquela pessoa, ou agir na prática, entende? Fica tudo muito no campo teórico. E eu acho que falta muito isso, essa conexão.

E não só através do conhecimento. O conhecimento é bom, óbvio, mas às vezes a pessoa tá querendo comer. Aí vem alguém dizendo “a fome é errada porque eu li em tal livro.” Sim, mas faça alguma coisa. Então, acho que falta muito isso da galera da universidade. Querem parecer cultos, intelectuais, mas isso não é o suficiente.

AND: Quais rumos vocês enxergam para o rap paraibano?

RobSom: Trabalho. Eu quero que isso vire um trabalho.

Para mim, esse é o rumo necessário. Quando eu estiver trabalhando com isso e quando tiver outras pessoas trabalhando com o rap paraibano, aí sim eu vou estar feliz. Pra mim, esse é o caminho certo, não tem como fugir disso.

Judá: Eu acho que é viver disso. O principal objetivo, como eu já falei, é ser autossuficientes o bastante para se tornar referência em outros estados também. E a partir dessa referência, a gente começa a pagar nossas contas através da arte.

Porque, a gente dedica muito tempo a isso. Por exemplo, eu estudo aqui, e às vezes tenho que estudar pro seminário. Sendo que, às vezes eu queria estar focando em escrever uma letra, ficar mais tempo no estúdio, fazer música, do que estar necessariamente estudando pro seminário.

Eu gosto do conhecimento que eu aprendo aqui, mas tem coisa que, sinceramente, parece que não vai me ajudar em nada. Às vezes ajuda, sim. Eu curto muito o que aprendo, mas quero viver da arte antes de tudo.

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