Interessados em trabalhar com o teatro popular, o grupo paulistano Confraria da Paixão procura provocar no povo uma reflexão acerca dos problemas que afetam o país, sobretudo, os de natureza política. Buscando materializar em forma de teatro de rua o resultado de suas constantes pesquisas, o grupo também promove debates e oficinas. 5s362b
— Teatro verdadeiramente popular é aquele feito pelo povo, ou ainda, com o povo. Todo espetáculo que não considera o povo como co-autor, embora contenha todos os elementos de um teatro popular, não pode ser considerado teatro popular — afirma Luiz de Assis Monteiro, ator e diretor do coletivo.
— E o que é povo? A multidão de excluídos que foi se formando, se miscigenando a partir da primeira invasão cultural, imposta pelos portugueses que aqui chegaram. Abandonados à própria sorte, em suas lutas e afazeres diários, estes excluídos foram se construindo enquanto povo, e construindo uma cultura própria — continua.
Luiz diz que dois ingredientes básicos e principais caracterizam o teatro popular: a criação pela necessidade e a fruição coletiva.
— Desta necessidade é que surgiram, dentre outras formas de teatro popular, o pastoril, o mamulengo, o bumba-meu-boi, o cavalo marinho, a nau catarineta etc. Apesar das outras invasões: inglesa, sa e, mais recentemente, a americana, o povo seguiu construindo a sua própria identidade cultural — fala.
— E é uma das mais ricas do mundo. Mesmo com o massacre dos meios de comunicação de massa, sobretudo da televisão, continua resistindo heroicamente, reafirmando a beleza e a singularidade desse teatro do nosso país — continua.
A temática é um elemento importante na caracterização do teatro popular.
— Em geral, o teatro destinado à elite e à classe média trabalham com temáticas marcadamente “classistas”; quando não, caracterizadas pela fuga da realidade. Ou ainda, trazendo a realidade de outros países, sobretudo, europeus, que nada ou pouco tem a ver com a nossa realidade — diz.
— O teatro popular, por outro lado, trabalha com a dura realidade do dia a dia dos excluídos, com os problemas enfrentados pelo povo, com as suas paixões. A crítica social apontando as mazelas e o descaso do poder público, a luta pela sobrevivência, a falta de assistência médica, de escolas, de transporte, de segurança e de moradia — relata.
— Mas também, com as suas mais genuínas manifestações humanas, artísticas, e de regozijo coletivo. Existe uma espécie de código não estabelecido entre as partes, que proporciona a perfeita comunhão entre quem faz e quem assiste — acrescenta.
— Isto devido a natureza da temática, da linguagem, da forma de apresentação, das personagens e, sobretudo, pela identificação de classe. Ou seja, o teatro popular fala à mente e ao coração do público, reconhecendo-o como membro integrante da mesma espécie, que comunga das mesmas dores e das mesmas alegrias. E isto basta! — conclui.
Preocupação em trabalhar o popular
— A Confraria da Paixão foi criada em 2001 com o objetivo de estudar e pesquisar, de forma permanente e continuada, o teatro popular e a cultura brasileira. E produzir obras teatrais que traduzissem a identidade cultural do povo, compartilhar com o povo os meios de produção da obra teatral, como instrumento, inclusive, de educação e fruição estética — conta.
— O coletivo criou e mantém o Centro de Estudos e Pesquisas do Cordel, ministrando cursos e oficinas, que resultaram na formação de oito poetas populares, com produção continuada, e mais de 130 folhetos publicados. Também estabelecemos intercâmbio com outros poetas, de vários estados do Brasil — continua.
— Mantemos em nossa sede uma cordelteca, uma videoteca e uma Biblioteca Popular, bonecos de barro, esculturas populares em madeira, tacos de xilogravuras, gravuras populares etc. E temos o “teatro de raízes populares”, um tipo de teatro cujos elementos estéticos remetem ao teatro e à cultura popular; que é feito “com” e “junto” ao povo, por necessidade e de fruição coletiva — acrescenta.
Contudo, o coletivo nunca foi contemplado com verbas de editais públicos ou contribuições de empresas privadas.
— A manutenção da nossa sede e do grupo, bem como a montagem dos espetáculos foram possíveis graças a contribuição dos membros com a arrecadação dos cursos e oficinas, com a venda dos folhetos de cordel e com a parca bilheteria auferida durante este período. Hoje, o teatro popular sobrevive graças ao esforço abnegado de pessoas e grupos que acreditam na força e no poder que emana do povo — declara.
— Quanto às Leis de Incentivo e Fomento ao Teatro, o teatro popular sofre também toda espécie de preconceito e discriminação. Os pareceristas e jurados destes editais, com raras exceções, fazem parte de uma elite eurocêntrica, que enxergam o teatro e a cultura popular de nosso país como manifestações de menor valor — diz.
— Por convicção de classe ou desconhecimento, o certo é que “torcem o nariz” quando se deparam com a expressão “teatro popular”. Vale dizer que a maior parte da verba destinada a estes editais acabam por financiar e patrocinar espetáculos destinados à elite e à classe média, inclusive e absurdamente, com cobrança de alto valor nos ingressos — continua.
— Atualmente, quase todos os artistas populares exercem outras profissões, uma vez que a contribuição do público é insuficiente para a manutenção de si e de suas famílias. Vez por outra são contratados pela “benevolência” de algum poder público, que disponibilizam verdadeiras migalhas, mais para fazer politicagem do que para amparar o artista popular — acrescenta.
Desde agosto em nova sede, o coletivo dá continuidade a vários projetos.
— O espetáculo “Um bravo canto para desatar os perversos nós!”; a montagem de “Amor, Cornice & Fuleragem”, que é resultado de uma pesquisa que vem sendo realizada com o teatro de mamulengo e a literatura de cordel; o projeto “Teatro Popular” (de Rua), a partir do processo de criação coletiva, entre muitas outras atividades — conclui Luiz Monteiro.
Contato do grupo : www.confrariadapaixao.com.br