Moradores contaram apenas com a solidariedade de amigos. 163d2z
Em um intervalo de apenas cinco dias, duas chuvas torrenciais atingiram a cidade do Rio de Janeiro e região metropolitana. Um dos municípios mais devastados pela tempestade do dia 10 de dezembro foi Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, onde cerca de duas mil pessoas ficaram desabrigadas. Enquanto o monopólio da imprensa e os gerenciamentos de turno se preocupam em culpar a natureza pelo problema, moradores acusam o Estado de negligência na prevenção às enchentes e deslizamentos de terra. No dia 12 de dezembro, a equipe de AND foi ao bairro de Austin, em Nova Iguaçu, e conversou com os moradores, que não pouparam críticas ao governador Sérgio Cabral e ao prefeito Nelson Bornier. n3018
— A chuva realmente é um negócio da natureza. Mas se tivesse preparado o local para receber esse tipo de temporal, nada disso teria acontecido. Infelizmente eu não tenho nem com quem reclamar a não ser vocês da imprensa. O jeito é trabalhar tudo de novo e comprar tudo de novo. Não adianta falar com ninguém. Todos aqui precisam muito de ajuda — diz o comerciante Maurício Lopes, de 58 anos.
— O Estado aqui não tem feito nada por nós. Olha aí os fundos da minha casa. Olha a quantidade de barro que desceu. E agora cadê o prefeito e o governador? Sumiram. Foi muita chuva. Eu ei a noite com a minha mãe doente dormindo dentro de um carro — lamenta a cozinheira Silvia dos Santos, de 49 anos.
A psicóloga Glória Lopes teve sua casa invadida pela água, apesar das obras que fez para conter as enxurradas. Ela vive com a mãe que é deficiente e teve que ser retirada às pressas do local. Móveis foram suspensos sobre caixas de cerveja e o barro estava por toda parte.
— Minha mãe tem 87 anos e nós tivemos que sair correndo com ela. Suspendemos os móveis sobre caixas de cerveja para não perdemos mais do que já havíamos perdido. Minha mãe é cadeirante e sempre a um sufoco quando isso acontece. Aqui em Austin o Estado não tem feito nada. Aumentou o número de habitantes, mas nada mudou. Não aumentou a rede de esgoto, as ruas, nada. Eu não acredito no poder público, porque a cada ano que a, as pessoas vão morrendo. Aconteceu no morro do Bumba, na região serrana e, a cada ano que a, tem uma nova tragédia — conta a psicóloga.
Morador do bairro Tinguazinho, o comerciante aposentado Elias Amaral acusa a prefeitura de economizar recursos nas obras de saneamento em Austin e utilizar o pior asfalto possível no capeamento das ruas do bairro.
— Isso aqui piorou muito depois dessas obras de saneamento básico que a prefeitura de Nova Iguaçu fez. Eles usaram canaletas muito pequenas. Com isso, a água sai pelo ralo das casas em dias de chuva forte. Ou seja, a água vem de dentro para fora, não mais de fora para dentro. Eu moro aqui há 50 anos e nós nunca amos por isso aqui. A obra de saneamento era para melhor, mas se fosse uma coisa bem feita, com uma estrutura melhor. Sem contar que essa obra do PAC já está anos acontecendo e não resolveu em nada nosso problema — denuncia.
Ao lado de onde morava o Seu Elias, um abrigo foi improvisado no salão de festas da Rua das Mangueiras. A dona de casa Roseni Tavares e toda a sua família trabalhavam voluntariamente no local organizando e distribuindo donativos. Mesmo cansada e abatida, Roseni conduziu nossa equipe e fez questão de dizer que somente o povo tem se solidarizado.
— Em Austin nós temos cinco vereadores eleitos e nenhum deles apareceu aqui para ajudar em nada. Muita coisa poderia ter sido evitada, se eles viessem aqui pelo menos uma vez por ano ver a nossa situação. Ontem tinha criança na rua cheia de barro, senhora de camisola chorando na chuva e a gente fica revoltada com as autoridades que não olham por nós. Agora eles estão dando aluguel social, mas e enquanto esses cheques não saem? As pessoas estão sem casa. Elas vão para onde? Nós estamos aqui resolvendo os problemas urgentes: água, comida e cobertor. Estamos trabalhando eu, meu cunhado, minha filhas, minhas sobrinhas para tentar ajudar de alguma forma nossos vizinhos e amigos. Infelizmente é uma vergonha esses vereadores, o prefeito e o governador que foram eleitos pelo povo e agora não fazem nada pela gente — protesta Roseni.
As chuvas e a negligência do Estado mataram 5 pessoas no estado do Rio de Janeiro nessa ocasião. Nos dias seguintes, os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e o norte do Rio de Janeiro também aram por enchentes e desabamentos terríveis.