A partir de múltiplos protestos e denúncias de moradores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, foi descoberto que a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) está fornecendo água sem condições de consumo. A empresa, hoje propriedade privada estatal, está em processo de agem ao capital privado não estatal (processo figurativamente chamado de “privatização”). f273n
A denúncia dos consumidores é de que a água que chegava às suas casas estava apresentando uma coloração escura e turbidez, além de estar com gosto e cheiro de terra. Houve múltiplos casos de diarreia, vômito e febre em pessoas que haviam ingerido a água encanada.
Além de fazer adoecer centenas de pessoas (segundo dados do Serviço Estadual de Saúde, o número de pessoas que foram aos postos de saúde com os sintomas descritos acima saltou de 660 para 1.732 no mesmo período de janeiro de 2019 para 2020), o episódio trouxe outras agruras como consequência para a população.
O desespero por conta do medo da água contaminada fez com que a procura por água mineral nos mercados e depósitos da cidade crescesse exponencialmente, assim como o preço das garrafas e galões.
Nas áreas controladas por grupos paramilitares que promovem extorsões, regiões nas quais a venda da água é monopolizada por eles, as mercadorias estão sendo ofertadas a preços abusivos.
Mesmo na zona sul da cidade, área mais nobre e onde os moradores em geral possuem condições de pagar por água mineral, houve racionamento em supermercados, que limitaram a quantidade de garrafas que cada cliente poderia comprar.
‘Queremos água potável para beber!’ 4m3cu
O AND tem divulgado as condições brutais de qualidade de vida sob as quais vivem os moradores do Rio de Janeiro. Em uma série de entrevistas coletadas pelo AND nas ruas do subúrbio carioca, ouvimos relatos de moradores sobre a situação, em que famílias fluminenses são forçadas a escolher entre uma refeição ou água mineral.
Regina, comerciante de 50 anos, relatou que, antes do início do episódio da contaminação, já estava sofrendo com escassez de água no bairro onde vive, em São Cristóvão, zona norte do Rio:
— Ficamos um tempo sem água e, quando a água voltou, voltou em abundância, mas poluída, inutilizável. Não dá nem para lavar um copo, porque se lavar fica com mau cheiro! Os políticos não tomam uma providência, estão tomando água importada, nós não temos condições de comprar água importada! Ontem eu dei R$ 15,99 em uma única garrafa de um litro e meio de água, de uma marca até inferior, inclusive! Isso custa R$ 2,50 na real! Não dá nem para beber mais de um copo, se não os outros não bebem.
Ela prossegue com a sua justa indignação:
— As pessoas pagam aluguel, pagam agem para trabalhar e outras despesas a mais e ainda têm que ficar comprando água! E quem não tem como comprar, está bebendo água contaminada. Esses governantes estão fazendo tudo igual aos governos anteriores. O povo tem mais é que fazer manifestação mesmo, se reunir e cobrar o que é nosso direito! Água potável para beber!
O copeiro Francisco, de 61 anos, contou que toda sua família ficou doente. Ele desabafou:
— Só de gasto com água mineral já são R$ 300 somados, da semana ada para essa. Já foram 19 galões de água comprados nessa situação. O gasto que estou tendo com água poderia ser investido em outra coisa, fica muito difícil. O povo deve fazer uma campanha para pressionar os governantes.
A ameaça da privatização 1g4y4s
Desde 2017, à época sob o governo estadual de Luiz Fernando Pezão (MDB), a Cedae iniciou seu processo de “privatização”, após o então ministro da Fazenda do governo federal, Henrique Meirelles, afirmar que a venda da empresa era a única resposta para a crise do estado.
Dentro do “pacote” da Cedae, encontra-se toda a rede de distribuição da água estadual, bem como sua manutenção regular, a Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu e a elevatória de esgoto do Lameirão, consideradas as maiores do mundo e que foram incrementadas nos últimos anos: a ETA aumentou seu bombeamento de água em 30%, por exemplo.
A bacia do rio Guandu, que abastece cerca de 80% da população carioca, é historicamente discutida por sua poluição sistemática oriunda do esgoto doméstico e industrial, além de possuir afluentes pouco recomendáveis, como os rios da Baixada Fluminense e o Paraíba do Sul, que atravessa o vale do Paraíba.
Agora, em meio à crise hídrica que assola o Rio de Janeiro e com o leilão da Cedae à vista, previsto para o primeiro semestre de 2020, Witzel declara sordidamente que a despoluição da água do Guandu só será viável com o dinheiro arrecadado pela venda da empresa. Isso, após ele mesmo ter exonerado uma grande parcela dos funcionários da companhia, dando sequência a um processo antigo de sucateamento e precarização dos serviços prestados por ela.
Mas a privatização não realizará o saneamento, nem solucionará o controle da poluição industrial, da agricultura e de esgoto doméstico das bacias que alimentam a Região Metropolitana do Rio, muito menos evitará que, no futuro, o povo volte a temer a própria água que usa para cozinhar seu feijão ou escovar seus dentes.