Ativistas da FIP impedem a invasão do choque, 15/12/2013. 64441
Na manhã de 16 de dezembro de 2013, uma segunda-feira, a Tropa de Choque da PM do Rio de Janeiro levou a cabo mais um despejo violento dos indígenas da Aldeia Maracanã, zona Norte da cidade. Nos dois dias anteriores, o espaço abrigou o 1º Encontro da Frente Independente Popular (FIP) — frente de luta que abrange ativistas e movimentos independentes e combativos e que surgiu após as manifestações que tomaram as ruas nos últimos meses. Durante o evento, indígenas ocuparam o prédio anexo, que será demolido se depender do gerenciamento Sérgio Cabral. PMs cercaram o local ameaçando desocupar ambos os imóveis. Às 7h da manhã do dia 17, o despejo começou. Ruas foram interditadas e vários dos ocupantes foram agredidos por policiais, incluindo crianças e uma gestante. Tudo feito à luz do dia e sem qualquer ordem judicial que sustentasse a ação. 4a3m4g
— Mais uma arbitrariedade do governo Cabral, esse governo fascista. Mais uma prova de que não existe democracia nesse país. Tudo aqui está acontecendo de forma errada. Nós fomos para aquele prédio porque esse no qual estávamos não tem condições estruturais. Eles estão coagindo, intimidando os indígenas todos os dias por conta disso. Aquele espaço é nosso. Dois juízes já quiseram colocar a gente naquele espaço. Não foi possível por que a Odebrecht estava no local. Agora eles já saíram e agora o governo quer derrubar aquele prédio. Eles querem tirar a gente daqui a qualquer preço por conta da Copa do Mundo, por conta do Maracanã. Eles não querem os movimentos, os indígenas aqui nesse lugar. Isso não é mais um museu, é um Centro Cultural, é uma Universidade, é a representação dos movimentos indígenas do Brasil inteiro e nós vamos lutar por esse espaço — disse a indígena da etnia Manauara, pesquisadora do Hospital Estadual Pedro Ernesto e professora da rede estadual, Mônica Lima, pouco depois de ser expulsa da Aldeia Maracanã e presa.
Apoiadores da Aldeia não se intimidaram perante a repressão. 6c4q30
O prédio em questão, antes ocupado pela construtora Odebrecht e pela Empresa Municipal de Obras Públicas para a reforma do Maracanã, foi esvaziado para, em seguida, ser demolido. No entanto, os indígenas revindicam o espaço para abrigá-los durante a reforma do prédio histórico da Aldeia Maracanã, também desocupado e centro de uma luta incansável dos movimentos indigenistas. O imóvel, que já abrigou o Serviço de Proteção ao Índio e o Museu do Índio, fundado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, já havia sido readaptado pelos habitantes da Aldeia para o funcionamento de uma universidade indígena e de um Centro Cultural. Os sistemas hidráulico e elétrico foram reinstalados e outros quatro banheiros foram erguidos pelos indígenas. O prédio ocupado no dia 15 seria uma justa expansão do trabalho empreendido pela Aldeia Maracanã.
Ademais, segundo os índios, a última decisão judicial estabeleceu como área da Aldeia Maracanã um terreno de 4,3 mil m² que inclui as edificações utilizadas pela Odebrecht e que agora Cabral quer demolir.
Após o esvaziamento dos dois prédios, apenas o indígena Urutau Guajajara, conhecido como Zé, resistiu do alto de uma árvore durante 26 horas. Ao longo da tarde e da noite, centenas de pessoas se reuniram no local para apoiar a resistência de Urutau, que também é professor da rede pública. PMs impediram-no de falar com seu advogado e não permitiram que dessem qualquer alimento, bebida ou cobertor para o indígena, que é diabético. Além disso, Urutau foi torturado psicologicamente durante horas com uma luz estroboscópica e insultos de policiais e oficiais do corpo de bombeiros.
Manifestantes são levados em ônibus da PM. 2a4l3k
— Essa ação é completamente ilegal. A tropa de choque da PM está em flagrante delito, pois além de estar em uma área levando adiante uma ação sem precedentes legais, sem ordem judicial alguma, esses policiais estão mantendo um indígena sob tortura física e psicológica, sem o à alimentação e hidratação. Eu me propus a subir e lhe entregar uma rede ao companheiro que está no alto da árvore, mas os policiais e bombeiros foram irredutíveis. Esse terreno é indígena e pertence aos indígenas, toda a sua extensão. Não existe posse a ser reintegrada. O governador deu sua palavra e disse que esse local seria garantido aos indígenas. No entanto, vemos que ele não tem palavra e, mais uma vez, se nega a dialogar com a Aldeia Maracanã — disse o advogado e indígena Aarão da Providência, que representa a Aldeia Maracanã.
No final da manhã do dia 18, um bombeiro se jogou da escada magirus sobre Urutau e envolveu seu pescoço com uma corda. Em seguida, um carro o puxou para baixo. Preso à árvore, ele pediu que o deixassem descer voluntariamente, antes que um acidente acontecesse. Ele foi levado a uma clínica e, em seguida, à 18ª Delegacia de Polícia. O delegado Fábio Barucke disse que não houve violência em momento algum da operação e que toda a ação da polícia aconteceu nos limites da lei.
— Todos os envolvidos serão enquadrados no crime de desobediência. Ele [Urutau] diz que o terreno é uma aldeia indígena. Mas o governo do estado entrou com uma ação de reintegração de posse. Não houve nenhuma agressão. Tudo ocorreu de forma muito tranquila, muito satisfatória. Nós abrimos todas as oportunidades para as pessoas se manifestarem — disse o chefe da 18ª DP.
Mas o indígena José Guajajara não concorda com a interpretação do delegado. Ele foi liberado à tarde e denunciou uma série de arbitrariedades cometidas pelos agentes de repressão. Disse também que sua ida ao hospital foi uma farsa e que nenhum médico o atendeu.
— Os coronéis do bombeiro e da PM mentiram. Eles disseram que iriam prezar pela minha integridade física. Eu estava sentado no galho olhando para baixo, quando o bombeiro foi pular da escada magirus para cair do meu lado e caiu em cima de mim. Ele amarrou uma corda no meu pescoço. Mas já havia outra corda amarrada à minha perna, que era para caso eu dormisse, eu não cair. Quando o caminhão puxou meu pescoço eu pedi que deixassem eu descer. Machuquei o braço, o ombro e o pescoço. Esse é mais um episódio do massacre dos povos indígenas que está sendo promovido há 500 anos. Mas isso não vai nos impedir de continuar lutando. A Aldeia Maracanã é nossa e nós vamos retomá-la inteira; os 4,3 mil metros quadrados. O Estado é vendido para a Fifa, as empresas, construtoras e empreiteiras e não quer dar nada para os indígenas, mas nós vamos lutar — afirmou o indígena José Urutau Guajajara, que apresentava hematomas no pulso, no ombro direito e no pescoço.
Sem ter para onde ir, os ocupantes da Aldeia foram à Universidade do Estado do Rio de Janeiro e ocuparam a reitoria no Campus Maracanã. No dia seguinte, aconteceu no hotel Novo Mundo, no Flamengo, um Encontro indígena promovido pelo Estado e para o qual as lideranças mais combativas não foram convidadas. Durante o encontro — que também decidiu a portas fechadas os rumos da Aldeia Maracanã — houve protestos que chegaram a interromper a reunião.
No dia seguinte, 20 de dezembro (dia do fechamento desta edição), os moradores da Aldeia, índios que vieram para participar da “reunião” com o governo do estado e se sensibilizaram e demais apoiadores da luta ocuparam a Fundação Darcy Ribeiro, no bairro de Santa Teresa.
— Essa terra sempre foi destinada às questões indígenas. Muito sangue indígena já foi derramado aqui. Nossos povos têm direito a esse lugar e nós vamos lutar por ele, apesar de todo o preconceito e intolerância desse Estado — disse Zé Urutau Guajajara.