As últimas semanas foram marcadas pelo avanço do programa de autodestruição estatal que Dilma Rousseff e Michel Temer, PT e PMDB/PSDB, gastaram os dois terços iniciais de 2016 se engalfinhando pela honra de aplicar. 2v251a
Milhares de manifestantes tomam as ruas contra os pacotões antipovo de Temer, BH, 11/11
Sob a batuta de Rodrigo Maia (DEM), escolhido para presidi-la num acordo entre Temer e Luíz Inácio, a Câmara dos Deputados aprovou o que de mais aterrador lhe foi proposto contra os serviços públicos essenciais e o patrimônio nacional, já muito combalidos.
Orçamento congelado
A proposta de emenda constitucional (PEC) 55 (antes denominada 241), que congela por 20 anos o orçamento federal com a única exceção dos juros da fraudulenta dívida pública, ou pela Câmara e segue agora para o Senado.
A dimensão do objetivo e a facilidade com que 300 picaretas (estimativa de Luíz Inácio em 1993) ou 400 achacadores (cálculo do ex-ministro Cid Gomes em 2015) que vivem da destinação clientelar de verbas a suas bases aprovaram uma medida, para eles, de severa autocontenção suscitam alguma perplexidade. Duas hipóteses que não se excluem ajudam a dissipá-la.
A fração dominante do bloco de poder, à qual a PEC 55 interessa, é um amálgama entre o sistema financeiro e o imperialismo e exerce o poder por trás do trono. No parlamento, atua a amorfa constelação de chefetes lastreada no latifúndio, no clientelismo, nas igrejas e em círculos de relações pessoais como a Maçonaria. Com o sistema eleitoral sob investigação profunda na Operação Lava Jato, é muito plausível que o lobby financista tenha ameaçado os coronéis com a revelação, por seu dispositivo de imprensa, do que se sabe ou se possa descobrir sobre suas campanhas e outras atividades.
Bellum omion contra omnes
Mas o sistema financeiro e o imperialismo não são ingênuos a ponto de acreditar que exista pressão suficientemente forte ou oferta generosa o bastante para assegurar que as estruturas clientelares do Congresso cumpram um compromisso de 20 anos.
A PEC 55 serve a um objetivo que os macrofatores de poder aglutinados no Fórum Nacional querem para já: a contrarreforma previdenciária. Feito isso, avaliarão se aceitam a reabertura da porteira às emendas parlamentares ou tentam exercer sem mediações eleitorais o poder.
Vinte anos de bombardeio ideológico e cinquenta de deseducação política e cultural não foram suficientes para que a população trabalhadora aceitasse imolar aposentados, viúvas e doentes, nem delegar aos bancos a aposta de sua própria aposentadoria na roleta da especulação. Quem depende de votos tem pânico de associar seu nome a tais medidas.
Mas com o orçamento congelado, qualquer aumento de despesa necessário para custear remédios, vacinas ou escolas dependerá de redução em outro setor — e a maior despesa estatal (à parte a financeira, não atingida pela proposta) é a folha de pagamento do INSS. Enviada ao Congresso por Temer, inelegível em 2018, a PEC 55 é a última volta do parafuso para promover uma disputa autofágica por recursos no seio da classe trabalhadora e extorquir a população a aceitar o desmanche da Previdência.
Petróleo e tecnologia: os últimos os da entrega
A Câmara aprovou também, como o Senado em fevereiro, o projeto que elimina o monopólio da Petrobras na extração do petróleo pré-sal e seu piso de 30% de participação nos consórcios que o exploram economicamente. Elaborado pelo Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), biombo das transnacionais do setor (principalmente Shell e Exxon) e apresentado por José Serra (PSDB-SP), esse projeto causa um dano muito mais profundo que a PEC 55.
Reverter a camisa de força orçamentária é até mais fácil que mantê-la. Já o petróleo, como dizia Artur Bernardes sobre os minérios, não dá duas safras.
A nova lei autoriza as velhas Seis Irmãs, secundadas hoje pelas estatais da Noruega e da China, a sugá-lo do fundo do mar e enviá-lo de navio para onde quiserem, sem que jamais e por território brasileiro. Para tanto, o governo Temer submete a Petrobras a um deliberado desinvestimento que se soma à baixa de preços internacionais forçada por estadunidenses e sauditas contra Rússia, Irã e Venezuela.
Sob a atual cotação do petróleo, a extração do pré-sal é economicamente inviável, o que é um motivo adicional para não cedê-lo, já que não há a menor urgência em sua exploração.
A pressa das transnacionais congregadas no IBP não é em se apossar da tecnologia de prospecção em águas profundas que só a Petrobras possui. A cessão desse patrimônio cognitivo e dos direitos sobre a exploração futura das reservas em águas profundas precisam se dar antes que seus potenciais opositores recobrem a capacidade de articulação e, sobretudo, antes que termine o governo que tem por chanceler José Serra, estafeta dessas empresas.
Os sócios da traição 3a353b
Circula por aí a lenda de que Dilma Rousseff teria sido derrubada por uma conspiração contra os pobres e os trabalhadores. Confrontados com as infâmias perpetradas por essa senhora contra viúvas, órfãos, doentes, pescadores e desempregados em seu mandato inacabado e com as que ela cometera contra índios, ribeirinhos, quilombolas e camponeses sem terra já no anterior, os propagadores dessa versão alegam que ela e o PT teriam feito concessões em nome de um objetivo maior: a defesa do pré-sal.
Aos fatos. Dilma impediu que o Senado sepultasse em fevereiro o projeto Serra/IBP que a Câmara tão facilmente aprovou em outubro. Um requerimento do senador Roberto Requião para tirá-lo de pauta foi rejeitado por 33 a 31. Dois suplentes de ministros dela (Douglas Cintra, na vaga de Armando Monteiro, e Sandra Braga, que substituía Eduardo Braga) votaram contra e três petistas (Jorge Viana, Walter Pinheiro e Delcídio Amaral) se ausentaram. O projeto foi à votação no dia seguinte e, como o poderio do IBP e do Fórum Nacional talvez não bastasse para fazê-lo ar, a então gerenta somou a eles o peso do Estado, pressionando e comprando senadores para aprová-lo por 40 a 24.
A própria lei do pré-sal de 2010, que agora agoniza, foi criada depois que ela, ainda ministra de Lula, barrou uma articulação dos então dirigentes da Petrobras Sérgio Gabrielli e Guilherme Estrella para restabelecer o monopólio que vigorara entre 1953-1995. Coube a Dilma, nesse período, derrubar quem pretendesse uma política energética nacionalista e progressista: Ildo Sauer, Célio Bermann e mesmo Luiz Pinguelli Rosa.
Em seu primeiro mandato, completou o serviço afastando Gabrielli e Estrella, e cedeu parte dos lucros do campo de Libra à Shell, Total e duas estatais chinesas sob repressão da Força Nacional de Segurança Pública a quem protestasse contra o leilão. O pretexto foi a descapitalização da Petrobras, enquanto se injetavam bilhões, via BNDES, na hoje falida OGX, de Eike Batista.
No segundo mandato, engendrou a criminosa política de exportar óleo cru e importar gasolina, que não é uma peça menor da via crucis da Petrobras. O desinvestimento agora praticado por Temer foi idealizado por Dilma, suscitando, inclusive, uma greve de petroleiros à margem da burocracia sindical, no fim de 2015.
Nada é tão ruim que não possa piorar e o governo Temer é a prova disso. Seu pior aspecto talvez resida exatamente nas ilusões retroativas que desperta com sua antecessora e o PT, que, meses atrás, começavam a merecidamente ser vistos pela população trabalhadora como algozes.