Provocou certa polêmica a publicação da pesquisa “Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo”, produzida e divulgada pela Fundação Perseu Abramo no último dia 25 de março. O amplo espectro de posições políticas eleitoreiras se alvoroçou, desde os grupelhos mais à direita, como o MBL, até tendências que se definem como de “esquerda” dentro do próprio PT. A bem da verdade, todos chegaram a uma mesma conclusão: os pobres são de direita. 5566n
E enquanto alguns como Elio Gaspari e Delfim Neto se rejubilam com essa falácia, considerando-a um triunfo contra o que chamam de “esquerda”, o PT e outros oportunistas eleitoreiros se ressentem da “ingratidão” do povo.
A pesquisa tinha como objetivo “reunir conhecimento que colabore para reflexão e atualização do projeto político do PT, bem como para fortalecer a disputa de valores na sociedade”.
As entrevistas foram realizadas na periferia de São Paulo, em regiões nas quais o PT vinha vencendo eleições desde o início dos anos 2000, mas onde conheceu derrotas nas farsas eleitorais de 2014 (reeleição de Dilma) e 2016 (derrota de Haddad para a prefeitura).
Aos revolucionários e verdadeiros democratas, o resultado que interessa é o óbvio:
• as gerências petistas fracassaram miseravelmente nas tentativas de corporativizar as massas mais empobrecidas;
• sua força auxiliar e tida como aliada nesse intento, as seitas neopentecostais, cresceram;
• o discurso supostamente “liberal” (consumista e meritocrático) dos entrevistados não são mais que o fracasso do Estado em prover serviços mínimos e das políticas focalizadas das gerências petistas; e
• a identificação do velho Estado como inimigo do povo.
Chama a atenção, sobretudo referente a esse último dado, que na pesquisa não conste nada sobre o genocídio da juventude promovido pela polícia e que aterroriza os bairros pobres. Aos que presidiram a repressão sobre o povo por 13 anos talvez não interesse mesmo saber os reais motivos de sua rejeição.
Os infiéis
É inegável que as recentes derrotas do PT são tratadas como ingratidão por grandes setores do partido. Menos, claro, pela alta burocracia dirigente, afundada no entreguismo e na corrupção, que pensa saber muito bem o que está fazendo.
Os desapontados não se conformam de as pessoas não serem eternamente gratas pelas políticas focalizadas e caritativas ampliadas pelas gerências petistas ou pelo gigantesco endividamento induzido pela estimulação do consumo através do crédito fácil.
Um comentário feito em uma rede social ilustra esse sentimento. Em resposta a um artigo comentando a pesquisa, um leitor que “não reconhece governo golpista” escreveu: “Desculpas sinceras ao mestre, mas ‘o povo é esperto’? Onde? Um povo que elegeu Dória e Alckmin em primeiro turno? Sem falar no Tiririca e outros. O ‘povo’ (não todos, é claro) é ignorante, egoísta, preconceituoso, mesquinho, estúpido e por aí vai. Senão não seríamos o Brasil que estamos vendo”.
Em termos mais educados, o presidente do Instituto Perseu Abramo, Márcio Pochmann, em entrevista ao Instituto Humanitas da Universidade do Vale dos Sinos (IHU-Unisinos), se manifestou assim:
“Estou descrevendo como foi, ou seja, as pessoas, em vez de entenderem que o que aconteceu no Brasil foi um projeto político em curso, entenderam o contrário: que foi o resultado individual de uma opção delas”.
O neopentecostalismo
Outro dado que causou desconforto aos oportunistas foi o crescimento das seitas neopentecostais nas periferias. Essa ampliação de influência, segundo a pesquisa, se deve muito mais ao fato de a igreja ser um espaço de socialização e prestação de serviços do que pelo próprio assumimento das referências ideológicas das igrejas. Além disso, alguns entrevistados se declararam contra a mistura de política e religião.
Porém, é inegável que o PT apostou alto no apoio da bancada evangélica no Congresso, deu poder a ela, e chegou a ver com bons olhos seu trabalho entre o povo, já que poderia ser um auxílio na corporativização das massas em favor do projeto oportunista. Além disso, as igrejas neopentecostais com uma estrutura mais próxima da população, substituiram as comunidades eclesiais de base (CEBs), antigo bastião da formação do PT.
Consumo e meritocracia
A suposta defesa de um “liberalismo” pelos entrevistados, baseada no consumismo e na meritocracia, atribuída pelos pesquisadores ao aumento do poder aquisitivo da população e às políticas “inclusivas” da gerência petista, não é mais que o completo fracasso do Estado em prover serviços mínimos à população.
Ora, se a pessoa declara que deseja pôr o filho para estudar em uma escola privada ou adquirir um plano de saúde, mais do que poder fazer isso, é uma necessidade derivada da falência completa da educação e da saúde públicas, totalmente negligenciadas pelas gerências oportunistas, apesar da publicidade mentirosa.
Além do fato já abordado por Marx de que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, deve-se destacar que nos 14 anos de gerenciamento petista esta ideologia burguesa só foi aprofundada.
O inimigo é o velho Estado
O nada surpreendente (para quem realmente luta por uma nova democracia) resultado mais relevante é que a população da periferia de São Paulo não identifica – no espectro eleitoreiro – a dicotomia entre “esquerda” e direita, mas sim que a contradição se situa entre o povo e o velho Estado.
Portanto, é claro como água da fonte que a população da periferia de São Paulo (e do Brasil todo) não vê diferença entre as siglas do Partido Único que se debatem em lutas cada vez mais agudas para gerenciar o velho Estado. Para o povo, essa sabedoria é fruto de gerações submetidas à opressão. Para os responsáveis pela pesquisa, essa percepção é fruto de manipulação pelo que chamam de “mídia”.
Confrontado com esse dado, e questionado se isso não seria um comportamento de direita da população, Márcio Pochmann, em entrevista ao Instituto Humanitas da Unisinos (IHU-Unisinos) saiu-se com essa:
“Assim, não acredito que possamos identificar, nesses valores, apenas e tão somente uma vertente liberal, porque há uma crítica contundente ao Estado, que não é necessariamente feita pelos liberais, mas, sobretudo, pelos anarquistas”. E segue uma descrição enviesada sobre o que ele pensa que é o anarquismo.
Ou seja, na perspectiva do oportunismo, que a todo custo tenta salvar o velho Estado de grandes burgueses e latifundiários serviçais do imperialismo e seu sistema eleitoral, o resultado da pesquisa só pode revelar que o povo é de direita ou está nas mãos do anarquismo.
Algo que essa gente não deve ignorar, mas que se gesta, lenta e inexorável como fogo de monturo, nas periferias e no campo do Brasil, é uma força que irá varrer esse velho Estado e todos os que lhe dão qualquer e, como esses sabujos que vivem de Gritar “golpe!”, mas se unem aos “golpistas” para dar sobrevida ao sistema eleitoral.
E essa força não terá nada de anarquista, mas será dirigida por um partido da classe operária, para a construção de um novo Estado de Nova Democracia.