“A categoria está lutando por pontos de paradas e uma base para descanso, ir ao banheiro e alimentação, além de seguro de vida e ajuda de custo com agem e combustível”. É assim que Sérgio Antônio, 28 anos, retrata a luta contra a situação aviltante de exploração. De acordo com ele, que trabalha como entregador há cerca de um ano, os “trabalhadores de aplicativos” também fazem parte da linha de frente durante o período da pandemia, pois levam comidas, remédios e outros itens básicos até a população. 4c1s1f
Outras demandas dos trabalhadores são melhores condições de trabalho, aumento do preço do quilômetro rodado, do preço mínimo das entregas; seguro-roubo, acidente e de vida; auxílio-pandemia; bem como equipamentos de proteção individual e licença remunerada para contaminados, além do fim do sistema de pontuações.
Desemprego e entregadores
Sérgio diz que antes de trabalhar como entregador era gestor de uma casa de shows e que começou a ser entregador por conta do desemprego. Ele ainda relata que trabalha todos os dias da semana das 11h da manhã às 22h, cerca de 11 horas diárias. Além disso,presta serviço para a empresa iFood através da “OL” e não tem nenhum direito garantido, contrato ou qualquer outro direito trabalhista formal.
A “OL” é um módulo de contratação utilizado pela iFood em que a corporação divide seus entregadores de duas maneiras: os entregadores “nuvens” e os entregadores “fixos” em restaurantes, denominados “OL”.
O entregador “nuvem” recebe por entrega feita, de acordo com uma taxa que varia conforme a demanda de pedidos na plataforma e a distância percorrida no trajeto. Tal modelo “permite” ao entregador escolher o horário em que fica disponível para trabalhar, embora a maior demanda de pedidos se concentre especificamente nos horários do almoço e janta.
Já o entregador “OL” precisa cumprir um horário estipulado pelo restaurante e recebe pelo tempo em que permanece disponível, independente da quantidade de entregas que realiza ou da distância que percorre. Esse modelo é uma forma de terceirizar a contratação de entregadores diretamente pelos restaurantes, que se dá sem nenhuma garantia de direitos trabalhistas como outrora.
Concorrência predatória
Os monopólios intensificaram o ato já praticado de estimular a concorrência entre os próprios trabalhadores. Isso se dá através do sistema de pontos que faz com que os entregadores tenham que fazer cada vez mais entregas para ter preferência em chamadas dos aplicativos. Tal metodologia faz com que os trabalhadores sejam obrigados a trabalhar todos os dias da semana em jornadas de 12 a 18h e sem tempo para descanso. Quanto mais “disciplinado” for o motorista para ser explorado, maior sua pontuação, mais corridas faz por hora e, assim, maior é seu rendimento.
O sistema de pontuações estabelece um ranking entre os entregadores pelo número de entregas, e penaliza aqueles que não realizam tantas entregas, o que, na prática, faz com que o trabalhador tenha de se submeter a praticamente qualquer demanda da empresa, sob risco de não receber novas entregas.
Como forma de frear a luta dos trabalhadores, as empresas começaram a bloquear os entregadores de maneira injustificada ou muita das vezes para punir aqueles que decidem abertamente reivindicar seus direitos ou que recusam alguma viagem, provando que não há “liberdade” nenhuma em tal relação de trabalho.
Exploração feroz na pandemia
Com a chegada da pandemia da Covid-19, no ano de 2020, a demanda por serviços de entrega cresceu assombrosamente. Por conta das restrições sanitárias e da necessidade do isolamento social, muitas pessoas recorrem aos serviços de entregas, para não saírem de casa.
Para as empresas o advento da pandemia serviu para dar um “boom” nos negócios, surgindo então a necessidade de aumentar a oferta de serviço. Com isso, os entregadores acabaram se tornando trabalhadores essenciais, seja para distribuir alimentos, remédios ou compras feitas pela internet.
Mesmo com o aumento no número de pedidos e os entregadores sendo expostos a um alto risco de contágio por coronavírus, a remuneração destes caiu em comparação com o período anterior à pandemia. Foi isso o que revelou uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O estudo aponta que, antes da pandemia, a remuneração já era baixa, e que 47,4% dos participantes afirmaram que conseguiam até R$ 520,00 por semana. Já durante a pandemia, houve aumento de 100% dos que faziam menos do que R$ 260 por semana; quase 50% dos trabalhadores que responderam à pesquisa apontaram queda no bônus concedido pelas empresas de plataformas de entrega.
O mesmo estudo também revelou que a maioria dos trabalhadores de entrega são do sexo masculino. Exatos 70,5% dos entrevistados afirmaram que trabalhavam em duas ou mais plataformas de entrega e 57% disseram que trabalham mais de nove horas diárias, percentual que subiu para 62% durante a pandemia. Além disso, 51,9% dos entrevistados afirmaram trabalhar os sete dias da semana, enquanto 26,3% trabalham os seis dias.
Segundo Sérgio Antônio, existe ainda a perseguição da Polícia Militar e da Guarda Municipal, motivada pelo preconceito: “Nossa categoria é a única que aceita com facilidade ex-presidiários que estão à procura de uma mudança de vida. Por isso nos enxergam como bandidos”, relata o trabalhador.
Uma categoria guerreira
Apesar de toda a exploração de que são vítimas os trabalhadores de aplicativo, e talvez por conta dela, começam a superar as ilusões com o “empreendedorismo”. Máscara sinistra por trás da qual opera uma pesada máquina de exploração, que em nada se diferencia das fábricas, a não ser pela forma. As corporações obrigam os “operários em condução” a jornadas exaustivas, sem dias de folga, num ritmo frenético, e para garantir seu domínio sobre os trabalhadores exercem a seguinte chantagem: a diminuição das corridas, rebaixamento da renda mensal, enfim, a fome.
É diante de tal situação que explodem as primeiras mobilizações de caráter reivindicativo. Em julho de 2020, por exemplo, aconteceu uma grande greve nacional. Denominado de “Breque dos Apps”, o movimento lutou por direitos básicos para os trabalhadores e pelo reconhecimento de vínculo empregatício deles com as empresas detentoras dos aplicativos. Tratam-se de novos embates da luta de classes. Tal categoria, formada por filhos e netos dos operários fabris lançados ao desemprego e às atividades secundárias pela crescente desindustrialização, pode e deve se apoiar nas melhores tradições do movimento operário.