Grilagem e pistolagem: o histórico obscuro da família Maranhão, que ataca camponeses em Barro Branco, PE 3q6h2m

Reportagem de AND investigou a família Maranhão, que está por trás de ataques aos camponeses em Barro Branco, Jaqueira, PE.
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Grilagem e pistolagem: o histórico obscuro da família Maranhão, que ataca camponeses em Barro Branco, PE 3q6h2m

Reportagem de AND investigou a família Maranhão, que está por trás de ataques aos camponeses em Barro Branco, Jaqueira, PE.

Já faz décadas que os posseiros da comunidade de Barro Branco, no interior do Pernambuco, sofrem ataques sistemáticos de pistoleiros a serviço de latifundiários. De seis anos para cá, um coronel em particular tem se destacado pelas covardias: o nome, segundo os camponeses, é Guilherme Maranhão. A violência inclui envenenamentos, destruição de plantações por meio da introdução de gado nos sítios e mesmo ataques diretos através de grupos paramilitares.  5w505b

O ciclo de violência tem crescido desde 2018, e o dia 28 de setembro de 2024 marcou um ponto de viragem no conflito agrário. Cerca de 50 pistoleiros, organizados pelo movimento paramilitar “Invasão Zero”, invadiram a região e dispararam contra os camponeses. O ataque, segundo os camponeses, foi ordenado por Maranhão. 

Os posseiros reagiram com o que tinham na mão: “foices, facões, pedras e balinhadeiras” foram brandidas atrás de “barricadas improvisadas”, conforme informou a Liga dos Camponeses Pobres (L), que organiza os posseiros. No final, os pistoleiros recuaram e abandonaram os sítios. O líder do “Invasão Zero” de Pernambuco foi hospitalizado, com um ferimento à bala, junto de outro capanga, e um rottweiler usado pelos pistoleiros para atacar os camponeses morreu queimado no fogo das barricadas.

L emite comunicado: ‘Os paramilitares bolsonaristas estão levando sua guerra covarde ao campo, é guerra o que eles vão ter!’ – A Nova Democracia
“Nós camponeses somos os palestinos do Brasil e lutamos contra um inimigo armado até os dentes; mas assim como o Povo Palestino, nossa luta é justa e venceremos inevitavelmente! Há exatos 75 anos, o povo chinês, em mais de 27 anos de guerra popular prolongada, derrotou três grandes inimigos que pesavam sobre o povo e a nação chinesa: o imperialismo, o capitalismo burocrático e o latifúndio feudal e semifeudal. Do mesmo modo, o povo palestino e o povo brasileiro, assegurarão a sua completa libertação, mesmo que a luta cobre muito tempo para se cumprir, nossa causa triunfará inevitavelmente!”, declara a L
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Apesar dos crimes terem se agravado desde 2018, a luta dos posseiros é secular. Eles vivem nas terras desde o início do século XX. Foram explorados em condições servis pela Usina Frei Caneca, da família Maranhão, durante todas as décadas entre 1900 e 2000, até que a Usina faliu e os camponeses tornaram-se posseiros das terras, chegando a contar com um acordo informal com a Usina, no qual as famílias camponesas assumiriam as terras e os latifundiários não pagariam as dívidas milionárias que tinha com os camponeses sem terra. 

A situação voltou a mudar em 2015, quando o Judiciário brasileiro leiloou, à revelia dos camponeses, as terras que um dia foram da usina, para quitar dívidas que os antigos donos do empreendimento latifundiário tinham com grandes burgueses e banqueiros. 

O leilão foi marcado por esquemas escusos, em que os donos do empreendimento falido usaram de empresas laranjas para comprar as próprias terras a preços abaixo do mercado e, depois, tentar expulsar os camponeses da região. A dívida dos posseiros nunca foi levada em conta. 

Foi justamente nessa época que o nome de Guilherme Maranhão ou a protagonizar a cena do conflito agrário em Barro Branco. Dono da empresa Agropecuária Mata Sul S/A, ele comprou terras no leilão por meio de laranjas e nunca deixou de infernizar os posseiros por meio de bandos pistoleiros, de acordo com informações dos próprios camponeses. O mesmo Judiciário que vendeu as terras a Maranhão se fazia de cego frente aos crimes da pistolagem. As primeiras retaliações só vieram com a chegada da Liga dos Camponeses Pobres, que ajudou os posseiros a se organizarem com grupos de autodefesa e Assembleias Populares. 

O jornal A Nova Democracia, que acompanha há anos a luta dos posseiros de Barro Branco, investigou o ado da família Maranhão, uma das famílias mais influentes e tradicionais da Zona da Mata Sul de Pernambuco, com um histórico reconhecido de grilagem de terras, violência contra populações camponesas, crimes trabalhistas e fraudes. 

Fraudes e dívidas trabalhistas 4h7363

A linhagem da família remonta a Jerônimo de Albuquerque Maranhão, um dos primeiros conquistadores do Maranhão, conhecido por expulsar ses da região em 1621. A família foi proprietária de várias usinas e engenhos em Pernambuco, como a Destilaria Liberdade e a Usina Frei Caneca. Fundada em 1886 e privatizada em 1927, a Frei Caneca simbolizava o domínio oligárquico sobre a produção canavieira. 

O latifundiário iniciador dos negócios no ramo açucareiro é Fernando Júlio de Albuquerque Maranhão. Se formou em Direito em 1937 e começou a empreender em 1939, com a aquisição da Cerâmica da Torre, seguida pela fundação da Cerâmica Santo Antônio, ambas no Recife. Em 1944, comprou o Engenho Liberdade e, subsequentemente, adquiriu outros engenhos vizinhos. Já em 1954, iniciou a produção de aguardente, fornecendo o produto para várias destilarias e, em 1978, fundou a Destilaria de Álcool Liberdade, em adesão ao Programa Nacional do Álcool Carburante e Usina Manoel Costa Filho S/A.

família maranhão
Família Maranhão em frente ao busto de Fernando Júlio Maranhão. Foto: Reprodução.

Apesar do currículo e da formação do patriarca latifundiário, a família Maranhão parece ter dificuldade de manter os negócios dentro da lei e as contas em dia: ao longo do século XX, as empresas e latifúndios da família oligárquica acumularam dívidas milionárias; para sair dos imbróglios, os integrantes do clã frequentemente recorreram a esquemas e negociações escusas. 

Gustavo Costa de Albuquerque, integrante mais recente da família, é um exemplo dos maus negócios. Entre abril de 2003 e novembro de 2004, Gustavo deixou de rear R$ 600 mil em contribuições descontadas dos salários dos empregados da sua empresa, Usina Estreliana. 

O latifundiário alegou dificuldades financeiras em sua empreiteira, Interiorana Serviços e Construções Ltda., para justificar a falta de ree. Contudo, o Ministério Público Federal (MPF) refutou essa alegação, argumentando que não havia evidências claras de dificuldades econômicas substanciais, especialmente porque não houve diminuição no patrimônio pessoal do empresário durante o período em questão. 

Desde 2019, quando entrou com um processo de recuperação, o  empreendimento arrendou uma dívida trabalhista e previdenciária de mais de R$ 400 milhões, prejudicando ex-funcionários e a União. Além disso, a Estreliana tem uma dívida de R$ 274 milhões com a União e de R$ 7,1 milhões com o estado de Pernambuco.

Hoje, seus filhos, Guilherme e Marcello Maranhão continuam o legado de crimes da família. A Agropecuária Mata Sul é controlada por Guilherme Maranhão. A empresa tem sido acusada de usar práticas fraudulentas para arrematar terras de grupos em dificuldades financeiras, como a Estreliana, sem pagar dívidas fiscais ou trabalhistas. Guilherme, além de Maranhão, é Cavalcante de Petribu de Albuquerque. O nome é importante porque a família Petribu é outra oligarquia, de Jorge Petribu, dono de oitava geração da Usina Petribu em Lagoa do Itaenga, em Pernambuco. A família Petribu, por sua vez, é ligada à linhagem Monteiro, do ministro da Defesa José Múcio Monteiro.

Marcello Maranhão é filiado ao PSB e prefeito do município de Ribeirão em Pernambuco. Foto: Reprodução.

Grilagem e laranjas 6e6h3z

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (T), as terras controladas pela Agropecuária Mata Sul S/A não cumprem função social, característica que deveria viabilizar a desapropriação para a falida reforma agrária, de acordo com a legislação brasileira. No entanto, o processo está paralisado desde 2019 por decisão do Incra, o que beneficia os interesses da família e mantém as famílias agricultoras sem amparo.

A família Maranhão aproveita da falência da reforma agrária e do controle dos latifundiários sobre o Estado brasileiro e suas instituições (além dos próprios membros da família em cargos de Estado), para manter as posses indevidas e expandir o império latifundiário por meio de grilagens. 

A Usina Estreliana, que enfrentou dificuldades financeiras e até a falência, foi mantida nas mãos dos latifundiários por meio de um esquema desse tipo. Na armação, Regina Célia atuava como dona de três empresas: Amaraji istração e Consultoria Ltda., Winn Incorporações Ltda. e a própria Negócios Imobiliários S/A. Por trás, os três empreendimentos tinham vínculos com a família Maranhão, a da Usina Estreliana. As empresas istradas pelos laranjas eram usadas para comprar as posses das usinas falidas a preços abaixo do mercado, de maneira que os latifundiários continuavam nos negócios, por trás dos laranjas, e usavam o baixo valor dos leilões para justificar a incapacidade de pagar dívidas trabalhistas e outros débitos. Depois, os “novos donos” reivindicavam as terras e exigiam a reintegração de posse e expulsão dos camponeses da região. 

Uma investigação do Ministério Público Federal revelou que a Negócios Imobiliários S/A adquiriu os Engenhos São Gregório e Alegre I por R$ 365.112,00 e R$ 928.224,00, respectivamente. Os preços são, segundo o MPF muito abaixo do padrão no mercado. Já o Engenho Alegre II foi vendido a Vera Lúcia Faustino Salgado por R$ 950.000,00. Depois da compra, os latifundiários exigiram a expulsão de 103 famílias camponesas que vivem há mais de 20 anos nos mesmos três engenhos. O Procedimento Investigatório n° 1.26.008.00149/2021-90, do Ministério Público Federal, apura a situação.

Trabalhadores da Usina Estreliana em protesto pelo recebimento das indenizações trabalhistas. Foto: Reprodução. Raphael Julio/Arquivo pessoal.

Os camponeses organizados pela Liga dos Camponeses Pobres aram a agir contra esses leilões. No dia 25 de julho de 2022, um protesto reuniu 200 camponeses da Zona Mata Sul de Pernambuco contra os leilões que ameaçavam despejar 1,2 mil famílias.  Em 2024, uma nova manifestação foi organizada para intervir em audiências do Ministério Público Federal que buscavam discutir propostas da Agropecuária Mata Sul S/A sobre os conflitos agrários. Em outras palavras, expulsar os camponeses, enviá-los para favelas rurais (projetos habitacionais cercados por pistoleiros) e garantir as posses dos latifundiários. 

Posseiros da Mata Sul Pernambucana defendem suas terras e rejeitam acordos com latifúndio – A Nova Democracia
No dia 08 de janeiro, mais de 60 camponeses organizados L se deslocou da zona rural do município de Jaqueira-PE para a capital do estado, Recife-PE, com objetivo de intervir em três audiências convocadas as pressas pelo Ministério Público de Pernambuco (MP-PE)
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Armamento e violência contra camponeses 5542e

Paralelamente aos crimes fiscais, as áreas onde se desencadeia conflito agrário com interesses da família Maranhão coincidem com episódios sombrios envolvendo bandos pistoleiros. Crimes desse tipo datam de décadas, como prova o assassinato do camponês Pedro Bruno, em 2003. Assentado no Assentamento Dona Margarida, em Gameleira, Pernambuco, ele foi morto a tiros enquanto dirigia ao assentamento de Frescudim. Para muitos dos seus amigos, o assassinato de Pedro Bruno foi uma represália violenta à reocupação do Engenho Pereira Grande, propriedade ligada à Usina Estreliana. Apesar da estranha coincidência de interesses, a polícia e o judiciário não apontam relação entre a família Maranhão e esses convenientes episódios.

O mesmo Engenho foi palco de um grande episódio de violência de bandos paramilitares em 2008, quando cerca de 200 mulheres camponesas organizadas pelo MST ocuparam a propriedade e exigiram a desapropriação do latifúndio. Elas acabaram expulsas da área por bandos pistoleiros que dispararam com armas de fogo contra os camponeses sem terra.

A situação piorou quando, em 2020, a Agropecuária Mata Sul S/A conseguiu legalizar a ação paramilitar, a partir da lei de “segurança orgânica” aprovada pelo governo ultrarreacionário de Jair Bolsonaro. A lei permite o armamento, por empresas, dos próprios vigilantes, em vez da contratação de terceirizadas para fazer esse serviço – em outras palavras, um nome institucional para a pistolagem.

Camponeses respondem os crimes 5j3b4r

Por outro lado, os camponeses não observaram inertes ao incremento da violência por parte dos Maranhão. A chegada da Liga dos Camponeses Pobres foi um verdadeiro ponto de inflexão na situação. O movimento ou a mobilizar os posseiros para responder aos crimes dos latifundiários. 

Camponeses derrotaram ‘Invasão Zero’ no dia 28/9; latifundiários planejam vingança. Foto: AND

“O grupo latifundiário, do ladrão de terras públicas Guilherme Maranhão, que desde 2018 reinava no local, cometendo impunemente todos os crimes contra os camponeses, ao arrepio da lei e com a conveniente cegueira do judiciário, ou a enfrentar uma resistência mais tenaz e organizada”, conta o comunicado da L, emitido depois da Batalha de Barro Branco. “A cada ataque do latifúndio, este recebia uma resposta. Cortava a cerca dos posseiros e, agora, via o arrasamento das suas estruturas para manejo do gado. Afinal, se não há justiça a favor dos pobres neste País, só resta a estes o antigo princípio de olho por olho, dente por dente”. 

‘Com a Liga é assim: bateu, leva de volta pra aprender a ser gente’ 636ei

O otimismo para a luta contagiou os camponeses desde que a L chegou.  “Com a Liga é assim: bateu, leva de volta para aprender a ser gente”, comentou um camponês, entrevistado pelo AND em maio de 2024. “Desde que bandeira da Liga foi levantada, o povo olha para cima e eles (os latifundiários) para baixo”, disse outro posseiro, na mesma reportagem.

E a luta de fato tem avançado. Depois da Batalha de Barro Branco, os camponeses reconstruíram os sítios destruídos e conquistaram um novo pedaço de terra, o Acampamento Menino Jonatas, nomeado em homenagem ao filho de uma liderança camponesa que foi assassinado por pistoleiros em 2022. 

Um ataque de pistoleiros que ocorreu depois da Batalha no Acampamento Menino Jonatas, foi repelido com fogos de artifício disparados pelos camponeses vigilantes. Os posseiros também frustraram uma tentativa da Polícia Militar de entrar na sede do Engenho Barro Branco no dia 17 de novembro. 

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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