O cacique Dorvalino é líder de uma ocupação indígena Kaingang no Rio Grande do Sul. Em entrevista ao correspondente local de AND de o Fundo, Dorvalino denunciou a lentidão nos processos de demarcação de terra e as intimidações por parte da Polícia Militar (PM) gaúcha, a Brigada Militar. 521y2o
AND: Como surgiu essa nova ocupação que vocês estão desenvolvendo aqui?
Dorvalino: Essa nova ocupação é mediante a um estudo que a Funai fez, eles chamam de estudo de qualificação para a constituição de um Grupo Técnico (GT). A Funai faz esse estudo prévio para analisar se há possibilidade de criar um GT para estudo de campo, demarcando esse pedaço de terra ocupado. Dentro dessa área que reivindicamos, fica toda área da Brigada Militar (BM), um patrimônio do estado (do Rio Grande do Sul) que a Brigada de o Fundo cuida. Quando um grupo se instala para acampar, é, com certeza, para pressionar o governo.
AND: Como o cacicado de vocês e o resto das pessoas avaliam a questão da demarcação no atual governo Lula?
Dorvalino: A demarcação de terras está muito lenta nesse governo atual, eu acho que uma das coisas é que depende da organização de cada grupo, pois tem gente que espera muito do governo, fica mais difícil, leva mais tempo. Nenhum governo vai fazer se não houver nenhuma pressão, o governo em si. Hoje, o Presidente da República é mais ível com a questão indígena, tanto é que, no governo dele, colocou vários indígenas nos setores. Há uma resistência no Congresso, ele não está sozinho, tem os adversários, os vigaristas que sempre vão contra, mas é o PL (Partido Liberal) que sempre foi contra, colocou senadores e bastante deputados, ele foi muito forte nesse sentido. A minha visão é isso: se nós esperarmos, mesmo que o governo seja bom, se não cobrarmos, o tempo vai, né.
Aqui na nossa situação, o relatório final do Estudo de Qualificação já era para estar em o Fundo, mas está atrasado. Em abril, ainda fizemos pedidos para que, pelos dias 15/20, eles entregassem o relatório final para pedirmos pela constituição de um GT, mas não fomos atendidos, o que na prática significa que esse processo aqui não existe para a justiça, estamos reivindicando o que na prática não existe, isso nos incomoda.
AND: No ano ado, em o Fundo, ocorreram protestos de kaingangs pela saída da gestora da Funai Maria Inês. Comosenhor avalia essa situação?
Dorvalino: Isso se deu por causa dessa lentidão em levar os processos adiante, mas não teve muito êxito a saída, não foi muito favorável porque eles tinham outro candidato para colocar no lugar dela, eu não estava ainda no grupo envolvido, mas nos outros acampamentos eles alegaram que não é assim que se trabalha, tirando um do governo, porque a nossa luta é contra a máquina do governo, que é muito forte, né? Politicamente, é o sistema do governo que está aí, temos que aprender a tentar atacar onde dá pra mexer, porque não adianta tirar empregado se quem manda ainda tá lá, é nesse sentido.
AND: O senhor avalia que hoje o movimento indígena tem muito mais vigor em lutar pelos seus direitos?
Dorvalino: Eu acho que sim, porque hoje a gente vê que se nós lutamos por nossos direitos, nós conseguimos mais, a gente pode avançar, nesse sentido que pode ter outros movimentos e outras ocupações, agora, nós temos ideias em relação aqui, caso não ganhar demarcação, tem doação do estado, que foi dos nossos ancestrais, é nossa, essa é a nossa visão. E quando a gente faz as nossas ocupações, a gente não aceita “invasão”, essa expressão para nós, ela não deveria ser usada nem pelo governo que o indígena é invasor, é trocada essa expressão, quem são os invasores são os europeus, a nossa terra foi invadida e nós fomos roubados.
Se for pensar, cada governo tem uma dívida milenar, né? Hoje a gente pede a posse de uma terra que era nossa, nós não queremos todo o Rio Grande do Sul, nós queremos um pedaço para nossos filhos se criarem dentro. O que me deixa revoltado também são os nossos deputados aqui do estado, né? Não é de agora que tem demarcação, não é de agora que surgiu, vem de tempos, era para os nossos deputados criarem um projeto de lei para assentar melhor os que são afetados, a demarcação precisa se colocar bem. Os deputados, ao longo do ano, recebem os salários deles e iludem a cabeça dos agricultores e indígenas. O governo nunca deu terra senão pela luta do povo.
Cacique Dorvalino denuncia intimidações e vigilância 282d5o
Durante a conversa com os correspondentes, o cacique fez denúncias à atuação truculenta da BM contra a ocupação. Dorvalino esclareceu que, em 2016, indígenas kaingang já haviam tentado se estabelecer naquela localidade, mas foram expulsos a tiros, sendo escoltados em fileira a pé para longe do local.
Dorvalino seguiu denunciando os assédios: “Quando chegamos aqui, um dia antes da entrevista com a Rádio Planalto, eles chegaram junto do Dnit, falando que era deles, tem gente que é ignorante, ou é por maldade, eles ainda vem aqui. Quando constroem casas, eles vêm e tiram foto, um dia chegaram perto dum índio que estava construindo, ele perguntou porque estavam tirando fotos da casa dele e [os brigadianos] disseram que tinham mandado tirar. Outro dia a polícia ou aqui e nos destratou, falaram um monte de nomes.”
Na ocupação visitada, os ativistas avistaram diversos buracos feitos na terra. Dorvalino comentou que as escavações foram ordens dadas pela BM sem a concordância dos indígenas, já que algumas delas foram feitas pelo Dnit, para transpor água, já aquelas feitas pelos brigadianos, algumas feitas ao redor das moradias, servem a dificultar o descarregamento de imóveis por exemplo.
O cacique Dorvalino afirmou os próximos os da mobilização da ocupação: “Semana que vem, se a Funai não se mexer, a gente vai a Erechim falar com o Ministério Público. Mês que vem, um grupo de Brasília chega, eles trazem um cronograma desnecessário, nós queremos que eles façam um cronograma conosco, do jeito que queremos para incluir todo o processo demarcatório, esse cronograma que trazem de lá não trabalha cada caso de maneira específica, eles alegam que só vai um cronograma igual para todo o RS e nunca resolve.”