As eleições na Groenlândia e as contradições interimperialistas 4t5dz

As eleições na Groenlândia e as contradições interimperialistas 4t5dz

Publicamos aqui uma tradução não oficial para o português de uma matéria publicada no dia 10/03/2025, no portal do jornal dinamarquês Røde Fane, sobre a disputa interimperialista entre os Estados Unidos da América e a Dinamarca pelo controle da Groenlândia, a luta de seu povo pela autodeterminação de seu território e as violências cometidas pelo colonialismo dinamarquês contra o povo nativo da região, os Inuit. u102c

As eleições na Groenlândia e as contradições interimperialistas 4t5dz

Desde que Trump expressou seu desejo de “comprar a Groenlândia” em dezembro de 2024, a Groenlândia tem sido tema de discussão tanto na imprensa dinamarquesa quanto na internacional.

Tal como fez em 2019, Trump reiterou os interesses dos EUA em obter o controle do país. E tal como naquela época, toda sorte de chauvinismo colonial está sendo divulgada na imprensa dinamarquesa e entre os partidos no Parlamento. Apesar do governo e do Estado dinamarquês tentarem negar, a crise diplomática com os EUA está forçando o imperialismo dinamarquês a deixar cair sua máscara. Agora, ele se refere à Groenlândia aberta e descaradamente como uma potência colonial se referiria à sua colônia.

O que está por trás da ação dos EUA?

Trump é o representante supremo do imperialismo dos EUA, o inimigo número um do mundo. Ele é um dos presidentes mais poderosos da história recente da América do Norte, onde tanto o Senado quanto o Congresso estão sob controle de seu partido. Ele é uma expressão da reacionarização dos estados burgueses em todo o mundo, incorporada ao absolutismo presidencial, entre outras coisas. Dito isso, também é importante deixar claro que Trump não é “louco” e que seu desejo de obter o controle da Groenlândia, ou suas outras ameaças, não têm nada a ver com sua personalidade.

Os EUA, a única superpotência hegemônica do mundo, estão perdendo sua hegemonia mundial e mergulhando em uma enorme crise. A classe dominante norte-americana, que explora e oprime tanto a classe trabalhadora dos EUA quanto o povo trabalhador do mundo, tem interesse em manter seu poder pelo maior tempo possível. Portanto, o imperialismo dos EUA é como um animal perigoso que foi encurralado – ele está desesperado e está tentando revidar. Isso leva os EUA a jogar um jogo perigoso de guerra comercial, mesmo contra seus “aliados”, ou a utilizar a guerra na Ucrânia como meio para dividir os concorrentes imperialistas na Europa uns contra os outros.

Nesse panorama internacional, a importância econômica e militar da Groenlândia deve ser levada em conta. À medida que as calotas de gelo derretem, novas rotas marítimas se abrem no Ártico e é de interesse das potências imperialistas, por motivos militares e econômicos, tomar controle delas. Ao mesmo tempo, as calotas de gelo derretidas expõem grandes depósitos de “metais de terras raras” e urânio, o que torna a terra particularmente interessante para outros países imperialistas, como a China e os EUA.

Objetivos estratégicos dos EUA 321w6o

Atualmente, o imperialismo dos EUA ainda tem dois objetivos estratégicos principais em sua agenda quando se trata de competir com outras potências imperialistas: 1) cercar e arrancar o imperialismo russo de seu status de superpotência nuclear; 2) manter o poder social-imperialista chinês sob controle e forçá-lo a abrir seus mercados.

A Groenlândia ocupa uma posição estratégica importante para os EUA em relação à Rússia no Ártico. Uma rápida olhada no mapa do Círculo Polar Ártico mostra como os EUA e a Rússia não estão em lados opostos do globo no “leste” e no “oeste”, mas sim que são praticamente vizinhos dentro da região do Ártico.

Quando se trata de mineração, os metais de terras raras são incrivelmente importantes para a fabricação de coisas como motores elétricos e turbinas. Atualmente, a maioria dos depósitos disponíveis está concentrada na China, que responde por 95 a 97% da produção mundial de metais de terras raras. A China e outras potências imperialistas já tentaram entrar na Groenlândia para extrair seus recursos naturais. Isso força o imperialismo dos EUA, que deseja quebrar o monopólio da China, a acelerar seu controle sobre os recursos do país.

Os EUA querem controlar, mas não podem comprar a Groenlândia 3z6w6x

Trump é um homem de negócios que usa a chantagem como ferramenta de barganha. Não é do interesse estratégico dos EUA ocupar diretamente uma colônia. Isso só vai exacerbar as contradições e tensões entre os inuítes da Groenlândia e a potência imperialista ocupante. Ao mesmo tempo, isso intensificaria os antagonismos inter-imperialistas no Ártico ao se livrar de um “estado-tampão” por meio da anexação direta.

Há vários anos, a Groenlândia vem ando por um processo de transformação de colônia dinamarquesa para uma semi colônia. Isso significa que a Groenlândia deixa de ser política, cultural, econômica e militarmente sujeita ao imperialismo dinamarquês para se tornar apenas economicamente sujeita ao imperialismo dinamarquês, ou a várias potências imperialistas. Na prática, isso também significará uma subordinação política informal, já que aqueles que controlam a economia podem, em grande parte, também ditar a política. O processo é determinado por dois motivos principais: 1) o desejo dos inuítes de autodeterminação nacional e 2) os interesses de outros imperialistas de ganhar influência sobre o país.

De muitas maneiras, o imperialismo dinamarquês está fornecendo o que os EUA já precisam ao permitir que eles mantenham tropas e bases militares dentro país. Ao mesmo tempo, já existem projetos econômicos crescentes dos EUA, na forma de expansão de aeroportos e projetos de infraestrutura no país, para preparar o terreno para o turismo e a mineração. O objetivo dos EUA é ganhar ainda mais enquanto exclui outros imperialistas de ganhar qualquer coisa.

O objetivo dos EUA de controlar a Groenlândia será executado em termos econômicos, com a possibilidade de estacionar mais tropas e postos militares no país. Após as primeiras semanas de pânico e clamor na imprensa burguesa dinamarquesa sobre as ameaças de poder militar e chantagem econômica de Trump, o que se sucedeu foi a convocação de uma eleição no parlamento da Groenlândia. O tema principal da eleição é a independência formal da Groenlândia e sua relação com o imperialismo dinamarquês.

Os crimes do colonialismo dinamarquês 102j4a

É ingênuo pensar que uma maior influência dos EUA trará algo positivo para os inuítes. Os ianques massacraram e desalojaram milhões de indígenas e deixaram rastros sangrentos por onde aram no mundo. Dito isso, o chauvinismo colonial dinamarquês também deve ser completamente rejeitado. Tem sido decepcionante ver como o chauvinismo social e as desculpas para o colonialismo e o imperialismo têm sido predominantes até mesmo entre os autoproclamados anti-imperialistas. Na própria questão da Groenlândia, muitos jogam fora seus princípios e caem no critério do “fardo do homem branco”, dizendo que os inuítes precisam dos subsídios, que não podem se sustentar sozinhos. Isso nega o fato de que os inuítes têm sido autossuficientes e prósperos há milhares de anos antes dos europeus chegarem às suas terras, seja na cultura de Dorset, da Independência de Saqqaq ou de Thule.

Alguns chegam a afirmar que os inuítes tiveram sorte pelo fato da Dinamarca ter se tornado a potência colonial na Groenlândia, ou que a Dinamarca é uma alternativa melhor do que os EUA, algo que não poderia estar mais longe da verdade.

A opressão nacional da Dinamarca contra os inuítes 3v43q

A estátua de Hans Egede foi pintada diversas vezes na capital Nuuk.

O nome “Groenlândia” foi imposto à terra pelo invasor sem-lei Erik, o Vermelho, que foi exilado de seu povo por assassinato. Ele chegou à Groenlândia no sudoeste, onde escolheu nomear a terra de acordo com o que podia ver, as margens verdes do sudoeste do país, e estabeleceu os primeiros assentamentos europeus duradouros. Os povos indígenas, os inuítes, ele decidiu chamá-los de skrælinger, que significa fracos ou sub-humanos. Embora os assentamentos de Erik, o Vermelho, tenham desaparecido, esse nome paternalista perdurou e, desde então, foi revivido pelo poder colonial dinamarquês, estabelecido em 1721 pelo padre Hans Egede. Hoje, o nome ainda é mantido pelo poder colonial dinamarquês, o que é uma continuação direta da exploração da terra e de seu povo, os inuítes. A autoridade colonial dinamarquesa chama seu povo de “groenlandeses”, ou “kalaallit”, que na versão traduzida do “groenlandês”, “kalaallisut”, ainda significa “skrælinger”.

Muitos inuítes se referem à Groenlândia diariamente como “Nunarput”, que significa “nosso país”. Atualmente, há um movimento para tornar esse nome o nome oficial da nação. Um movimento semelhante obteve o mesmo resultado no nordeste do Canadá, onde o povo inuit indígena tem uma província chamada “Nunavut”, que é o dialeto local para “nossa terra”. O movimento quer romper com a definição colonial da terra e deixar que o povo defina a si mesmo. Essa é uma necessidade de romper com os 300 anos de assimilação e tentativa de aniquilação da cultura inuíte, feitos para torná-los cristãos e, posteriormente, “dinamarqueses” ou “groenlandeses”.

Quando Hans Egede chegou e estabeleceu o que viria a se tornar o poder colonial dinamarquês, ele impôs o cristianismo ao povo, proibindo os inuítes de praticar sua cultura, seus costumes e sua religião. Os tambores inuítes foram queimados, o povo foi açoitado, espancado e privado de alimentos a menos que se convertesse. A colonização feriu o povo tão profundamente que falar sobre os espíritos antigos e a cultura inuíte ainda é um tabu para muitos.

Em 1953, a Groenlândia foi diretamente anexada e submetida à constituição dinamarquesa após uma votação na Dinamarca, sem que os próprios inuítes pudessem votar, e o país “deixou de ser uma colônia”.

Antes dos inuítes receberem os direitos de dinamarqueses como dinamarqueses no papel, em 1953, a autoridade colonial dinamarquesa se apressou em realizar realocações forçadas em massa dos povos indígenas. Os inuítes foram realocados à força para lugares como Thule, onde os EUA queriam construir sua base aérea militar. Os inuítes foram forçados a viajar 130 quilômetros mais ao norte em trenós puxados por cães ou a pé com poucos dias de antecedência. Prometeram às pessoas casas modernas e prontas quando chegassem ao novo local, mas nada foi concluído e muitos tiveram que dormir em barracas de verão durante um inverno gelado que matou muitos.

Os inuítes exigiram justiça após a realocação forçada, mas foram inicialmente ignorados. Quando os inuítes retomaram o caso na década de 1990, receberam uma indenização menor, apesar de terem vencido o processo. O tribunal decidiu que eles não podiam provar que eram indígenas porque se recusavam a se chamar de groenlandeses ou kalaallit, que significa “vieira” no idioma inuit.

Para colocar isso em perspectiva, é o equivalente a um palestino ser chamado de árabe israelense.

Dentro da chamada Commonwealth, a Groenlândia é a parte mais oprimida dentro dessa instituição exploradora. Hoje, a Dinamarca criou uma ideia de “groenlandês” que, ao contrário do povo das Ilhas Faroe, não é reconhecido como seu próprio povo soberano – no aporte faroense consta faroense-dinamarquês, enquanto no inuit consta apenas dinamarquês. Em outras palavras, não há nem mesmo um conceito legal de inuit na legislação.

Hoje, a Dinamarca continua com sua política colonial: somente aqueles que se deixarem “dinamarquificar”  e se tornarem “groenlandeses” podem receber a promessa de um futuro e de uma educação superior. O Parlamento dinamarquês em Christiansborg, apesar do “autogoverno”, ainda dita muitas políticas essenciais, particularmente a política externa, na Groenlândia, onde quem não fala dinamarquês tem dificuldade para acompanhar o debate público, pois não há interpretação simultânea.

As pessoas são mantidas na ignorância e excluídas do debate político internacional a menos que aprendam dinamarquês ou inglês.

A exploração econômica da Groenlândia pelo imperialismo dinamarquês z3m68

Durante séculos, a Groenlândia e seu povo, os inuítes, foram chamados de inferiores, desumanizados, mantidos em desvantagem e sem poder. O imperialismo dinamarquês, que hoje continua a colonizar a Groenlândia, alega ajudar os inuítes, enviando o chamado subsídio de bloco, sem mencionar o que o imperialismo dinamarquês ganha  em termos militares, estratégicos e econômicos ao ter uma colônia e permitir que suas tropas ocupem o país.

O imperialismo dinamarquês discrimina as condições de trabalho na Groenlândia, onde os trabalhadores dinamarqueses têm o a um “acordo dinamarquês-groenlandês” ao qual os inuítes locais não têm o. As pessoas que cursam o ensino superior ou os trabalhadores dinamarqueses sempre têm contratos, enquanto os trabalhadores não-qualificados muitas vezes nem sequer têm um contrato de trabalho e, portanto, não têm segurança no emprego.

98% das exportações do país ainda consistem em frutos do mar, sendo que 53% de todas as exportações do país vão para a potência colonial dinamarquesa. Grande parte dos pescadores são inuítes que vivem em assentamentos longe das cidades e são pescadores em tempo integral ou parcial. Eles recebem a pior parte das cotas de pesca e precisam vender seus peixes para grandes empresas de pesca a um preço mais baixo do que os outros pescadores europeus, o que leva as pessoas à pesca excessiva. Isso ameaça os meios de subsistência das pessoas.

Apesar do fato de muitas empresas dinamarquesas terem sido “nacionalizadas”, seus conselhos de istração ainda são dinamarqueses e seus enormes lucros não beneficiaram a Groenlândia em seu desenvolvimento, mas ainda vão parar nos bolsos da burguesia monopolista dinamarquesa. “O ‘subsídio de bloco’ de 4,3 bilhões de coroas dinamarquesas por ano é, na realidade, um investimento lucrativo que serve para aprofundar a exploração do país e mantê-lo dependente. Muito mais bilhões de coroas deixam a Groenlândia a cada ano do que o país recebe na forma de superlucros.

Sobre a eleição e a grande burguesia na Groenlândia 4e5n20

Os políticos da Groenlândia, sejam eles representantes dos inuítes Ataqatigiit, Siumut, Naleraq, Democratas ou Atassut, não conseguiram e não conseguem liderar os inuítes em direção à autodeterminação real. O conselho do condado e o “governo autônomo” são, em si, uma istração estabelecida pelo imperialismo dinamarquês e pelo poder colonial para facilitar a exploração.

Kuno Fencker em sua visita aos EUA em janeiro

A única perspectiva que os partidos podem apresentar é um futuro em que a Groenlândia continue a ser dependente de uma ou mais potências. Enquanto alguns querem continuar sujeitos ao imperialismo dinamarquês, a única alternativa que outros podem apresentar é a dependência de outra potência imperialista. Eles repetem a mentira de que o país e os inuítes não são capazes de se defender sozinhos e precisam de um benfeitor.

Deixar o país nas mãos dos políticos atuais no estado atual é deixá-lo nas mãos de pessoas como Kuno Fencker, de Nelaraq. Enquanto ainda era membro da Siumut (SI), Kuno Fencker viajou para os EUA em janeiro, em uma viagem de férias autopatrocinada, onde se relacionou com 300 políticos e investidores dos EUA. Ou Muté Baier Egede, da Inuit Ataqatigiit (IA), que convida abertamente investidores da UE e dos EUA a extrair matérias-primas no país, apesar das consequências prejudiciais para a população. O SI e o IA, que estão juntos no governo, são de longe os maiores partidos atuais em Nunarput e, juntos, detêm dois terços dos assentos no parlamento e nos municípios.

Centenas de pessoas manifestaram-se em Nuuk, entre outras coisas, contra o racismo dinamarquês contra os inuits e contra a censura estatal ao documentário da RD De Hvide Guld

O parlamento não representa os interesses da classe trabalhadora e do povo, mas sim da grande burguesia da Groenlândia e das corporações e potências imperialistas. Tudo na sociedade tem uma marca de classe, o mesmo se aplica ao Estado. E o Estado na Groenlândia hoje é criado e mantido pelo poder colonial, e o poder colonial não criou sua própria ferramenta para se voltar contra si mesmo.

A partir da eleição, podemos esperar uma aceleração do processo em que a Groenlândia deixa de ser uma colônia para se tornar uma semi colônia como o próximo o no processo, liderado pelo imperialismo dinamarquês, de estabelecer o “governo interno” e o “autogoverno”. Os motivos são o desejo do povo de independência da Dinamarca, por um lado, e as contradições interimperialistas, por outro. Mas, na realidade, isso significará apenas que a face da exploração mudará, ou que o país deixará de ser explorado principalmente pelo imperialismo dinamarquês e ará a ser explorado por várias potências imperialistas.

Para que a verdadeira mudança ocorra na Groenlândia, ela deve vir dos próprios inuítes, e não dentro dos mecanismos estabelecidos pela ordem exploradora. Na verdade, todo esse processo que está ocorrendo hoje provocou uma grande politização dos inuítes que protestam contra o colonialismo e o chauvinismo nacional com o desejo de uma Groenlândia verdadeira e genuinamente independente.

Nas últimas semanas e meses, ocorreram protestos que, juntos, mobilizaram porcentagens inteiras da população de 57.000 habitantes do país.

*Este texto expressa a opinião do autor

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