No dia 21 de abril, o povoado Novo Paraíso, na zona rural de Carutapera (MA), recebeu a estreia do curta-metragem Crianças do Gurupi, dirigido por Daniel Moreno. Realizado com recursos mínimos, num povoado de pouco o e sem energia elétrica, o curta-metragem contou com a participação ativa dos moradores, sobretudo das crianças, que protagonizam a história. O curta de sete minutos é composto de entrevistas com duas crianças do assentamento sobre um ataque de pistoleiros contra a sua comunidade.
A gravação
Rodado durante o Dia das Crianças em 2024, o curta nasceu da parceria entre o diretor e roteirista do projeto com a jovem estreante Iasmyn Rodrigues, responsável pela câmera, e com Daniel Costa, montador, que também assina a produção pela Ruído Filmes. O curta foi gravado em dois dias, em grande interação com os próprios camponeses do povoado, tanto na construção criativa da obra, construindo os planos e locações colaborativamente, quanto na parte logística.
O processo de produção seguiu uma lógica de “economia fílmica absoluta”. Sem tempo, energia ou memória digital de sobra, as decisões sobre planos, ritmo e montagem foram tomadas com rigor e intuição. “Era importante pensar na montagem enquanto gravávamos, para que as conexões entre cada plano funcionassem poeticamente”, explica o diretor, “então ‘um plano puxava o seguinte’, e decisões criativas foram construídas dessa forma”.
O “roteiro”, inspirado no curta-metragem palestino “Far Away from Home” (Qais Al-Zubaidi, 1969), se resumia a um conjunto de rabiscos em formato de storyboard, apresentado durante a viagem de ônibus rumo ao povoado.
No dia seguinte às filmagens, o grupo organizou a primeira projeção para as crianças, cuja reação compôs o corte final do curta. Após apreciar o conjunto do material, o realizador escreveu um poema inspirado pela recepção das crianças — texto que depois serviu de base para a montagem final do filme. O objetivo do filme é, segundo o realizador, “apreciar a luta pela terra pela perspectiva das crianças – algo que raramente é abordado no cinema brasileiro – evitando tratá-las como figuras ivas e dignas de pena, mas como sujeitos que também elaboram sua própria forma de resistir. Afinal de contas, ainda estão lá, e rindo, brincando”.
Crianças do Gurupi
O rio corre nas crianças
A morte corre nas crianças
As crianças correm pro rio
As crianças riem da morte
A vida ocorre
A exibição
“A exibição lotou. Acho que todos gostaram”, conta o diretor em suas redes sociais, e foi convidado pela comunidade a retornar “para fazer um filme de verdade – e não um documentário”, como brincaram alguns moradores. Em resposta, ele garante: “Não se preocupem, eu voltarei!”.
A sessão aconteceu no mesmo espaço improvisado “Cinema do Povo”, onde, meses antes, haviam sido filmadas as cenas do curta. Para garantir que todos os moradores assistissem, foram realizadas duas exibições seguidas. As crianças participaram das duas, rindo e apontando para a tela com entusiasmo: “Esse é meu desenho!”, “essa é minha casa!”, “esses são meus amigos!”. Ao comentar sobre a exibição, o presidente da associação local, Adimilson Nonato “Agoniado”, elogiou a equipe dizendo que “não é todo mundo que tem um caráter desse pra sair desde onde tá, chegando até aqui onde nós estamos, ando a dificuldade que nós amos, pra vir ver a realidade. A comunidade está muito alegre e satisfeita.”
Segundo o diretor, “é grande o interesse do povo em garantir que essas iniciativas sejam possíveis, e se tem uma história a se contar a partir desse pequeno filme é a história de que foi possível fazê-lo. Temos que ter bastante confiança nisso”. Crianças do Gurupi atualmente faz parte da seleção oficial do festival Lift-Off Global Sessions, no Reino Unido.
As redes sociais da equipe são:
@danielmoreno.cineasta
@iasmyncrodrigues
@denialcosta_
@ruidofilmes
